INFLUENCIADORES RELATAM CASOS GRAVES DE DEPRESSÃO POR PRESSÃO VIRTUAL
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Publicado em 22/09/2021

Layla da Fonseca costuma compartilhar com seus mais de 300 mil seguidores do Instagram cliques de viagens, looks grifados e vídeos de tutorial de beleza. Em julho deste ano, no entanto, um post dela no hospital contando que tinha tentado se matar chamou a atenção para um assunto que ganha destaque neste mês de Setembro Amarelo: a prevenção ao suicídio.

Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2021, divulgado em julho pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de pessoas que tiraram suas próprias vidas no Brasil em 2020 foi de 12.895. Nos últimos seis anos, a taxa de suicídios a cada 100 mil habitantes aumentou 7% no País, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.

Se não tivesse procurado ajuda, Layla poderia ter um fim semelhante ao da youtuber Alinne Araújo, que se  jogou do nono andar de um prédio ao receber críticas de internautas por decidir se casar com ela mesma após um rompimento com o noivo, ou igual ao do tiktoker Lucas Santos, que com 16 anos não soube lidar com comentários homofóbicos em um vídeo feito de brincadeira com um amigo e tirou a própria vida.

“A minha ansiedade e impulsividade começaram a se manifestar de forma mais latente nos meus 20 anos, quando comecei a apresentar episódios de insônia recorrentes. Eu não tenho depressão, mas como qualquer pessoa tenho momentos de maior tristeza e introspecção, o que é bem normal no mundo ultraconectado em que vivemos. Em um momento de desespero, durante uma crise de ansiedade, fiz uma ingestão medicamentosa. Não foi nada planejado e uma das conclusões que tive com meu psiquiatra é que cheguei a esse ponto devido ao meu quadro impulsivo, que não estava 100% controlado”, relembra Laya, atualmente com 23 anos.

CONECTADOS DEMAIS

A popularização das redes sociais, que em 2020 teve uma penetração de conteúdos entre os usuários únicos de 97%, índice mais alto do mundo, segundo dados da Comscore, tem trazido novos desafios para brasileiros e profissionais da saúde. O psiquiatra, pesquisador e escritor Pablo Vinicius, destaca um crescimento nos últimos anos de pacientes que tiveram um agravamento na saúde mental por causas relacionadas ao convívio virtual.

"Na conversa que temos entre psiquiatras e psicólogos temos observado uma demanda crescente, exponencial, de pessoas adoecidas por causa das relações virtuais. E não são só famosos. Estamos falando de pessoas anônimas que em uma rede social são atacadas de uma forma agressiva e violenta. É notável um aumento significativo de transtorno de ansiedade, crises de pânico, distúrbio do sono, quadros depressivos graves e até suicídio de jovens em razão de traumas vividos nas redes sociais", avalia.

ATAQUES CIBERNÉTICOS

Em novembro do ano passado, a youtuber Dora Figueiredo, de 27 anos, achou que seria engraçado compartilhar com os seus mais de um milhão de seguidores que por engano tinha comido um pedido de delivery de café da manhã endereçado ao seu vizinho. Em poucos minutos após o post, o nome da jovem ficou entre os assuntos mais comentados do Twitter. A maioria dos comentários eram de ódio, com frases que a classificavam como uma 'pessoa horrível' e que afirmavam que ela não era querida por ninguém. Dora se desculpou, comprou uma cesta para a vizinha, mas os ataques continuaram e foram gatilho para uma crise de depressão.

"Eu comi achando que fosse para mim, não era, e eu fiz uma piada com isso. Mesmo pedindo desculpas, as pessoas me massacraram. Falaram que eu era tudo de ruim, que não sabiam como algumas pessoas gostavam de mim, que não conseguiam ser feministas por causa de mim. Não consegui escrever nada. Fiquei com muito medo, tive um certo transtorno pós-traumático e fiquei uns três meses bem mal", relembra ela.

Este foi o mais recente "cancelamento" público que Dora sofreu. Ela – que lidava com a depressão desde os 11 anos de idade - se lembra que o primeiro foi quando tinha apenas 14 anos, ainda no Orkut. "Minha primeira experiência com ataque e ódio cibernético foi ainda na época Orkut. Eu tinha depressão e um colega meu do colégio falou que eu não servia nem para me matar. Aquilo realmente me afetou muito", conta ela, que tanto nesta ocasião quanto em outra oportunidade, cogitou tirar a sua vida.

"Já senti realmente a vontade de me matar pela quantidade de ódio que eu recebi. Uma vez, eu já estava mal e veio a enxurrada de ódio. Eu pedi ajuda. Falei com minha família e amigos: 'estou pensando em me matar por causa disso'. Ainda tenho gatilhos. Um dia meu sobrenome foi parar nos Trending Topics do Twitter e comecei a ter uma crise de ansiedade. Daí entrei e vi que estavam falando de outra pessoa, que já tinha morrido inclusive. Mas percebi esse medo. É uma coisa que faz o meu trabalho muito mais difícil do que deveria porque as pessoas não têm noção do que é ler diariamente coisas absurdas sobre você. É horrível. Tão destruidor que pode causar suicídio."

PRESSÃO VIRTUAL

Gustavo Tubarão, de 21 anos, soma mais de cinco milhões de seguidores no Instagram, mil vezes mais que o número de moradores de sua cidade natal, Cana Verde (MG), mas a quantidade de amigos virtuais não foi o suficiente para impedir que ele entrasse em uma depressão profunda, desencadeada por não saber lidar com toda a pressão da fama repentina na web.

O humorista, que justamente se curou de um quadro depressivo ao passar a fazer vídeos para o TikTok e Instagram, se viu novamente vítima da doença por conta do assédio excessivo e por não conseguir corresponder às expectativas de todos os seus fãs.

"A primeira vez que eu tive depressão foi em 2017, com a perda de um amigo de escola. A segunda vez foi há sete meses, quando estourei na internet. Tive muita mudança na minha vida. Além disso, duas pessoas aqui da região, que me seguiam e tinham me mandado um textão dizendo que me assistir aliviava suas dores, se suicidaram. Me senti culpado e fiquei pensando: 'Será que se eu tivesse respondido teria ajudado e mudado alguma coisa?'. E comecei a me sentir muito mal por não conseguir responder todas as pessoas, até eu entender que isso não era possível. Foi uma recaída violenta, que só eu e minha psicóloga sabemos. Entrei em depressão por me culpar por coisas que não tenho culpa e me cobrar demais por coisas que não consigo fazer", avalia.

O isolamento social e as incertezas em relação ao futuro, que ditaram boa parte do ano de 2020 por causa da Covid-19, elevaram transtornos mentais no Brasil, segundo uma pesquisa da Universidade de São Paulo em onze países. O Brasil ficou em primeiro lugar, sendo que dos brasileiros pesquisados, 63% apresentaram transtornos de ansiedade e 59% de depressão, durante a pandemia. A Irlanda e os Estados Unidos ficaram na segunda e terceira posições.

"A internet é o lugar mais tóxico do planeta. É o lugar que mais causa depressão hoje em dia. Você não tem que ser melhor do que ninguém. Você não tem que ter o corpo mais bonito. Você não tem que ir nos melhores restaurantes. Isso tudo é falso e eu posso dizer porque estou dentro dela (internet). Com a fama, aprendi que não preciso ter nada do bom e do melhor para ser feliz. Descobri que a felicidade sempre esteve aqui. Não existe o mundo ideal mostrado nas redes", garante Gustavo.

CUIDADOS

Dr. Pablo Vinicius indica que além de acompanhamento psicológico, os influencers precisam separar a vida virtual da física. "O trabalho do influenciador é basicamente expor a sua vida nas redes sociais. Ele vende essa capacidade de influenciar e precisa expor o que ele sente, pensa e faz. Por que os influenciadores entram em crises depressivas graves e muitas vezes deixam as redes sociais? Porque é muito difícil fazer essa separação. Quando a pessoa critica o seu trabalho, critica ele próprio, porque quando o hater fala de um pensamento publicado, está criticando um pensamento dele", explica.

Uma das formas de conseguir manter esse distanciamento é estipulando limites e horários para a vida virtual, segundo Stella Azulay, educadora parental pela Positive Discipline Association e especialista em Análise de Perfil e Neurociência Comportamental.

"Eles precisam ter uma vida fora da internet, mas uma vida real que eles participem, com família, amigos, com vida social, de qualidade. Precisam de momentos que deem prazer e que os tirem do virtual, que seja compensatório. Ser influencer se tornou uma atividade profissional, tem que ter hora de trabalho, hora de lazer, hora de família, hora de casa, hora de desconectar do on-line. Como qualquer outra pessoa que trabalha. Sentir que amam e que podem ser amados e acolhidos no mundo de verdade ajuda a combater a pressão e as opiniões de haters. Todos nós, que não somos influencers, também encaramos pressões e haters no decorrer das nossas vidas, mas criamos resiliência pra isso, não importa a atividade profissional. É preciso saber dar prioridade e importância àquilo que nos é mais valioso na vida. Esse foco jamais deve ser perdido. Nossa família, amigos, nossos propósitos precisam de um lugar precioso e protegido dentro de nós para nos fortalecer", explica Stella.

"Uma forma de não perder esse controle é fazer um trabalho psicológico para entender que uma coisa é a vida dele e outra é o trabalho dele. Ele não pode misturar essas duas coisas. Sempre oriento a estipular horários para as redes sociais. É como um trabalho. Publicar, acompanhar e acabou. Para que ele tenha uma vida fora da rede social também produtiva e também saudável. Ele vai ter ciclos de amigos fora das redes sociais, ele vai para o restaurante, se divertir, vai malhar em uma academia... É importante que ele tenha esse equilíbrio entre a rede social, o trabalho e a vida privada. Se uma pessoa dedica sua vida 24 horas às redes sociais, ela vai adoecer em algum momento”, complementa Pablo. 

Ter um tempo determinado para estar on-line é exatamente o que Layla procura fazer quando percebe que o nível de ansiedade está superando os limites aceitáveis.

“Hoje eu tenho a consciência de que o que acentua muito as minhas crises de ansiedade é a forma com que eu me cobro em fazer meu melhor, para quem me segue diariamente. Sinto uma urgência e uma responsabilidade com meu trabalho e com cada uma das pessoas. Quando ficava sem postar parecia que o chão ia abrir sob os meus pés. Óbvio que isso acabou virando uma bola de neve. Quanto mais eu me cobrava, mais isso me paralisava. Hoje essas crises de ansiedade são pontuais e não me afetam tanto quanto antes, até porque estou aprendendo a respeitar os meus momentos”, explica Layla.

Olhar com outra perspectiva para comentários negativos ou ataques cibernéticos é outra dica do psiquiatra para manter a sanidade mental. “O hater é um perverso que tem prazer na maldade e dor do outro e ele não está querendo que você mude, quer simplesmente te ver chorando e desestabilizado, por isso passa o dia todo mandando mensagem. Quando a gente entende o comportamento dessas pessoas, a gente desconsidera, ignora, apaga e toca a vida", afirma.

Dora tem a consciência da importância de separar o mundo virtual do real. "Eu consegui mudar a maneira como os ataques me impactam olhando para eles de uma forma um pouco mais global. Você não vai mudar a visão das pessoas sobre você, mas você pode mudar a sua visão sobre você mesma na internet. Procuro me desligar, não procurar nada na internet e conversar com pessoas reais, amigas, que você ama. Essas pessoas vão te falar, 'você está certa' ou 'você está errada, mas estou aqui para te acolher'. Então, se você está sendo atacada na internet, deixa ela de lado, vá fazer algo presencial, ficar com sua família e amigos", diz ela, que antes procura avaliar suas críticas.

"Eu vejo o ataque, avalio se ele é válido ou não, porque às vezes a gente errou e ele pode ser válido. Entendo, me perdoo e depois peço desculpas se fizer sentido. Tem outras vezes que apenas a sua existência causa esse ódio. É pelo preconceito, machismo e homofobia. Daí eu saio da internet e procuro ajuda. Penso em coisas para eu ficar bem", pontua.

PEDIDO DE AJUDA

Em seu primeiro contato com a depressão, Gustavo decidiu investir no sonho de atuar e trabalhar como influenciador digital, mesmo crescendo num ambiente familiar que nunca teve contato com a arte. Isso o ajudou a ganhar um novo rumo na vida, mas foram as pressões que vieram com a fama que o fizeram ter uma nova recaída.

 "Por mais clichê que pareça, se você tem depressão mantenha a calma, tem cura. Eu me curei. Em 2017 passei um ano sem sair de casa. A segunda, demorei um mês e meio, porque já estava fazendo terapia e descobri qual o motivo que me levou a ter a recaída. Foi mais fácil sair por conta disso. Se você tem depressão, não tenha vergonha de pedir ajuda, porque eu tive. Se você convive com alguém que tem depressão abrace e o acolha", ensina. 

Laya recebeu o direcionamento da família para perceber que precisava de um apoio especializado. “Quem se deu conta disso foi muito mais minha família do que eu, inicialmente. Até porque minha mãe tem um quadro psiquiátrico diagnosticado como depressão, ansiedade e pânico e o caso dela não foi fácil, já que não tínhamos conhecimento da doença como hoje em dia. Não sabíamos como lidar e o que procurar em um tratamento para manter a qualidade de vida, em primeiro lugar. No momento que minha mãe notou uma mudança de comportamento em mim, que se assemelhava ao início do que ela viveu, conversamos e decidimos que a decisão mais acertada seria procurar ajuda médica.”

Segundo a psicóloga Flávia Teixeira é preciso acabar com o preconceito que existe em torno do tema suicídio. A profissional acredita que falar sobre o assunto abertamente é uma forma de prevenção.

"Infelizmente ainda existe muito preconceito com relação ao suicídio, que ainda é um estigma social. Muitas questões relacionadas à religião, moralidade e cultura, ainda trazem a ideia de que o suicídio é um ato de covardia, de pecado, e de fraqueza. Acredito que fatores como esses contribuam para as pessoas não buscarem ajuda, se sentirem com vergonha e medo do julgamento que podem vir a sofrer. O suicídio é uma questão e um problema de saúde pública. É preciso que falemos abertamente sobre o tema, e que principalmente possamos pensar em atitudes preventivas, como por exemplo acolher os indivíduos que apresentam algum transtorno psiquiátrico que possa ser fator predisponente, e também as pessoas que já tentaram tirar suas vidas", avalia Flávia.

"A ajuda pode ser levar o indivíduo para consulta com profissionais de saúde, falar abertamente sobre o assunto, acolher e procurar estar próximo. O tratamento medicamentoso, terapia, grupos de apoio, são ferramentas poderosas para ajudar quem está passando por um momento no qual não vê saídas para suas dificuldades. Existem outras maneiras de lidar com a dor e o sofrimento, não é preciso acabar com a própria vida, e nós podemos ser agentes de ajuda para quem está sofrendo. Vamos buscar soluções e saídas junto com quem está precisando, pois ela existem."

ALERTA AOS SINAIS

Muitas vezes o pedido de ajuda não será feito verbalmente, mas por sinais que a a pessoa dará na alteração de sua rotina e modo de se relacionar com outras pessoas. Segundo uma pesquisa recomendada pela Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos ao DataFolha, em agosto, quatro em cada 10 brasileiros tiveram sintomas de ansiedade ou depressão durante a pandemia. Dos 2.055 entrevistados em 129 municípios das cinco macrorregiões do país, 44% afirmaram que tiveram problemas psicológicos. Destes, 62% tinham pessoas com quem contar, e 14% não teriam ninguém para dar suporte.

A educadora parental Stella Azulay destaca algumas mudanças visíveis. "Quando a pessoa fica muito quieta, está sempre insatisfeito, vira e mexe parece triste, mas principalmente quando deixa de fazer coisas que sempre gostava de fazer", diz.

“A pessoa começa a se isolar mais. Se antes saía para jogar um futebol, agora não vai mais. Se antes encontrava aqueles dois ou três amigos, passa a reduzir os encontros. Fica mais no quarto e falando menos. Depois, ela perde a perspectiva de futuro, não vê ‘graça na vida’. Perde a motivação, prazer e esperança no futuro. A primeira coisa é o desejo de não estar mais aqui. Ela começa a verbalizar. E algumas vezes também verbaliza o desejo de se matar. Depois ela começa a pesquisar formas de fazer isso na internet e a planejar o suicídio”, detalha o psiquiatra Pablo Vinicius.

A psicóloga Flávia explica que o isolamento social, impulsividade e distorção corporal podem indicar uma predisposição ao suicídio. As pessoas que já apresentam transtornos psiquiátricos merecem uma atenção ainda maior.  "Pessoas com diagnóstico de transtorno psiquiátrico como depressão, transtorno de personalidade bipolar, com transtornos alimentares, e abuso de substâncias, merecem sempre uma atenção especial. O isolamento social, a falta de vontade de executar tarefas cotidianas, automutilação, tristeza profunda, impulsividade e distorção de imagem corporal são alguns dos sinais de que alguém pode vir a cometer o suicídio", explica.

"Algumas dessas pessoas muitas vezes podem apresentar falas do tipo: “Como seria bom se eu desaparecesse”, “Se eu morrer ninguém vai sentir minha falta”. Os adolescentes que apresentam comportamentos de automutilação merecem atenção especial. Além disso, o baixo rendimento escolar e no trabalho são indícios de que precisamos fazer alguma coisa para ajudar."

Se você perceber que está extremamente sobrecarregado, ansioso, depressivo ou pensando em se machucar, procure seu médico, psicólogo ou familiar e não esqueça do CVV - Centro de Valorização da Vida (ligue 188).

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