Seis anos após o rompimento da barragem da Vale, a Prefeitura de Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, registra um aumento de quase 700% nos casos de algumas doenças na cidade. Os números levam em conta dados coletados entre 2018, antes do colapso da barragem da mina Córrego do Feijão, e 2024, último ano com informações consolidadas.
Em entrevista à Itatiaia, a secretária de saúde de Brumadinho, Cinthya Pedrosa, detalha os números mais preocupantes. “Sabemos desses prejuízos da qualidade de vida e de saúde da nossa população. Eu trouxe aqui as doenças que mais nos trouxeram preocupação relacionadas à incidência, que são o aumento de doenças do aparelho respiratório, de 122%, osteomuscular e tecido conjuntivo, acima de 669%, doença do olho, maior que 311%, má formação congênita e anomalias cromossômicas, de 233%", detalhou Cinthya.
De acordo com a secretária, os dados foram obtidos no Sistema de Informações Hospitalares dos residentes de Brumadinho, ligado ao Sistema Único de Saúde (SUS). Ela informou ainda que os números são referentes a internações registradas no sistema público de saúde do município.
O Prefeito de Brumadinho, Gabriel Parreiras (PRD), engrossa o coro da secretária e diz que o rompimento da barragem da Vale deixou a população da cidade doente. “A gente vê a nossa cidade mais adoecida, mais suja, com exames de sangue com 100% de resultados de contaminação de metais pesados. Índice de suicídos subindo, adoecimento mental subindo. Então, está na hora de termos uma reparação justa e que Brumadinho tenha a prioridade que é só falada. A gente precisa mudar isso e trazer, de fato, para a realidade”, cobrou o prefeito.
Estudo da Fiocruz e da UFRJ acende alerta
Neste mês de janeiro, período em que a tragédia da Vale completou seis anos, a Fiocruz Minas e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) trouxeram números alarmantes sobre a contaminação da população. Uma pesquisa detectou aumento na presença de metais na urina de crianças de até 6 anos. Foi encontrada a presença de pelo menos um de cinco metais — cádmio, arsênio, mercúrio, chumbo ou manganês — em todas as amostras analisadas.
Pesquisador da Fiocruz Minas e coordenador do estudo, Sérgio Peixoto, destaca que, diante das descobertas, é preciso uma reestruturação no serviço de saúde do município. “Essa exposição nos leva a sugerir uma atenção especializada no município. Que o estado tenha uma organização do seu serviço de saúde de modo a atender de forma adequada essa população. Então, a gente precisa de protocolos de atendimento, de profissionais treinados e capacitados para este atendimento e de uma rede com laboratórios de referência para que estes exames possam ser repetidos e dar continuidade ao tratamento”, disse.
ALMG quer acompanhar ações na cidade
Na Assembleia Legislativa de Minas, deputados estão preocupados com a situação da saúde de Brumadinho. Um grupo de parlamentares foi montado para acompanhar as ações nesta área. A deputada Bella Gonçalves (PSOL) diz que parlamentares ficaram impactados com o estudo sobre contaminação de metais pesados da Fiocruz.
“O estudo mostrar que todas as crianças estão condenadas a estar para sempre com doenças de pele, com doenças respiratórias, com riscos diversos à saúde mental e física, é algo que, de fato, corta o nosso coração. Brumadinho continua uma cidade empobrecida e dependente da mineração. Nós não vimos aqui a construção de nenhuma grande universidade, nenhuma escola de ponta que possa criar outras alternativas econômicas. Nós não vimos a comunidade ver a construção de hospitais. Isso significa que a reparação não está chegando para as comunidades”, enfatizou a deputada.
O que diz a Vale?
A Itatiaia procurou a Vale para comentar a pesquisa da Fiocruz. A mineradora diz que está avaliando, detalhadamente, os resultados, mas que já realizou levantamentos na área impactada pelo rompimento da barragem e não encontrou metais pesados em índices acima dos permitidos pela lei.
A reportagem foi até a Estação de Tratamento de Águas Fluviais (ETAF). A estrutura, montada pela Vale em Brumadinho, tem como objetivo retirar os rejeitos de minério e sedimentos presentes no ribeirão Ferro e Carvão antes deles desaguarem no rio Paraopeba. No local, a Itatiaia fez questionamentos a um dos responsáveis pela reparação ambiental da Vale. O gerente Vítor Pimenta garantiu que a água é devolvida à natureza numa qualidade melhor que a coletada.
“Essa água é monitorada. Alguns metais, algumas coisas que vêm na água, isso é barrado aqui (na estação) de alguma forma. Ou aqui, ou em outro momento. Todas as estruturas que estão no Ferro Carvão têm o objetivo de conter essas partículas. Várias estruturas ao longo do Ferro Carvão fazem a contenção desse material. Aqui, especificamente, além da decantação dentro da bacia, a gente tem filtros que também fazem o polimento desse tratamento”, explicou.
Movimento dos Atingidos por Barragens contestam justificativa da Vale
O Coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Guilherme Camponez, contesta as informações repassadas pela Vale. Camponez alega que a mineradora não apresentou os estudos e nem explicou a metodologia aplicada para afirmar que não encontrou contaminação de metais pesados na área impactada.
“Até hoje, quatro anos depois do acordo assinado, a Vale ainda não entregou nem a primeira fase dos estudos. Esses estudos têm cinco fases, e é justamente esse estudo que vai dizer qual é o risco que a população está exposta. Então, sem esse estudo, ela não pode dizer que está tudo certo, porque avaliei ali um sedimento e não achei contaminante. Onde é que ela retirou esse sedimento? Quais foram as áreas testadas? Qual foi a metodologia, o protocolo utilizado?”, questionou Guilherme Camponez.
O que diz o Governo de Minas?
Procurado pela Itatiaia, o governo de Minas diz que vem trabalhando junto às Instituições de Justiça em diversas frentes para reforçar a assistência à saúde pública, incluindo a mental, no território afetado pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, ocorrido em janeiro de 2019. Entre as ações de destaque estão as iniciativas do Acordo de Reparação que viabilizaram o fortalecimento das equipes e dos serviços de saúde mental via Sistema Único de Saúde (SUS).