Cem dias depois da confirmação do primeiro caso de coronavírus em São Paulo, a capital paulista foi autorizada pelo Plano São Paulo, do governo estadual, a iniciar em 1° junho a retomada de cinco setores da economia fechados desde o início da quarentena. A reabertura na cidade só pode ocorrer após os protocolos de segurança serem aprovados pela Prefeitura.
Na quinta-feira (4), concessionárias e escritórios tiveram seus planos aprovados e puderam iniciar a retomada das atividades no dia seguinte.
Como a média de casos confirmados nos últimos 7 dias continuou aumentando na capital, ainda que com crescimento mais lento, especialistas alertam que a cidade a retomada talvez ocorra "sem que a epidemia esteja em fase decrescente".
A prefeitura defende que os índices da capital são adequados. Na quarta-feira (3), o prefeito Bruno Covas (PSDB) declarou que a cidade está em um platô em relação às solicitações de internação em UTIs. Segundo ele, o número de novos pedidos de leitos para pacientes com Covid-19 tem se mantido estável há pelo menos uma semana. O prefeito atribui isso ao uso de máscaras pela população.
Nesta quinta, a prefeitura apresentou, pela primeira vez, os cinco índices utilizados para autorizar o municípios a flexibilizar a quarentena.
Críticas aos critérios para reabertura
Um grupo formado por mais de 40 pesquisadores avalia que são inadequados os cinco indicadores epidemiológicos adotados pelo governo de São Paulo para avaliar cada região do estado e definir se ela tem ou não condições de avançar nas fases da quarentena.
Em carta, os especialistas do Observatório Covid-19 BR afirmam que os indicadores usados no Plano São Paulo permitem, por exemplo, que haja abrandamento das medidas atuais mesmo com a epidemia em expansão. "É temerário qualquer relaxamento de intervenções sem que a epidemia esteja em fase decrescente”, destaca o grupo.
O professor de física da Universidade de São Paulo (USP) José Fernando Diniz Chubaci acompanha os dados do estado de São Paulo desde o início da pandemia e acredita que o governo poderia esperar mais para implementar a reabertura.
“Apesar de estar ainda subindo, a evolução do vírus está ocorrendo muito lentamente. Os novos casos e mortes estão respeitando essa teoria de não ser um pico e, sim, um platô. Sobre a questão de liberar a reabertura, precisaria de pelo menos mais uma semana de estabilidade para analisar”, avalia o pesquisador.
Pressão no sistema de saúde
O prefeito de São Paulo argumenta que a quantidade de solicitações diárias de internação em UTI, dado que não é utilizado para avançar de fase na quarentena, é um indicador que mostra a estabilização da epidemia na capital.
“Na quantidade de solicitações diárias de internação em UTI na cidade de São Paulo, percebemos uma subida abrupta entre o final de março e o início de abril, chegando a 28 pedidos de UTI por dia. Durante 15 dias nós conseguimos manter essa curva achatada. Depois isso continuou a subir, chegamos a 52 casos diários e atingimos um platô", disse Covas na quarta.
"Muito desse platô se deve, inclusive ao uso de máscaras na cidade de São Paulo. É uma fase decrescente de solicitação de leitos de UTI na cidade de São Paulo."
Mas dados da própria prefeitura mostram que, sem a adição de novos leitos, o sistema de saúde da capital estaria extremamente pressionado.
Em documento divulgado em 27 de maio, a prefeitura afirmou que, sem a expansão de leitos, a taxa de ocupação em UTIs na capital teria superado a capacidade total – seria de 334%. A apresentação, feita pelo secretário municipal da Saúde, Edson Aparecido, mostrou ainda que, mesmo em um cenário de distanciamento social, o total de pacientes de UTI foi cinco vezes maior no final de maio em comparação ao final de março.
Profissionais que atuam na linha de frente de combate ao coronavírus também acreditam que é cedo para flexibilizar a quarentena na capital. Destacam que apenas a abertura de leitos permitiu que não houvesse colapso no sistema de saúde.
“Onde trabalho, abriram muitos leitos desde que começou a pandemia. Hoje mesmo inauguraram mais 31 leitos de UTI. Então só não lotou ainda pelo grande número de novos leitos”, afirma Mara Santos, enfermeira da UTI do Hospital São Paulo, na Zona Sul da capital.
A dificuldade para conseguir respiradores pode dificultar a abertura de novos leitos no ritmo atual. Esses equipamentos são essenciais no tratamento de pacientes com Covid-19. No Hospital São Paulo, onde trabalha Mara, o número de leitos de UTI já é mais de duas vezes maior do que no início da epidemia.
Para o chefe da UTI do hospital Emílio Ribas, Jaques Sztajnbok, é necessário não apenas aumentar a capacidade de leitos de UTI, mas também preparar o sistema de saúde para uma eventual sobrecarga de pacientes com problemas crônicos decorrentes da Covid-19.
Ele alerta, ainda, que o aumento nos leitos não impede que as pessoas fiquem doentes – e lembra que muitos dos pacientes, apesar do tratamento hospitalar, ficam com sequelas da Covid-19.
"A gente não tem uma estrutura criada para pacientes que vão ficar crônicos, que vão ficar dependentes de ventilação mecânica. Não basta leitos de terapia intensiva, você tem que ter leitos de enfermaria e depois de hospital de apoio. Eu não vi, nada, nenhum planejamento para ampliação dessa capacidade", afirma Sztajnbok.
Regras para flexibilização da quarentena em SP
O Plano São Paulo, que propõe regras para a flexibilização da quarentena no estado, divide o estado em regiões, as quais são classificadas em fases por cor, de acordo com os critérios definidos pela secretaria estadual da Saúde e pelo Comitê de Contingência para Coronavírus.
Fase 1, vermelha: alerta máximo
Fase 2, laranja: controle
Fase 3, amarela: flexibilização
Fase 4, verde: abertura parcial
Fase 5, azul: normal controlado
Segundo o governo, os critérios utilizados para definir cada fase são:
média da taxa de ocupação de leitos de tratamento intensivo para Covid-19;
número de leitos UTI Covid-19 por 100 mil habitantes;
e taxas de acréscimo ou decréscimo de casos confirmados, internações e mortes pela doença na comparação com a semana anterior.
Ainda de acordo com a gestão estadual, as regiões são avaliadas a cada 7 dias e podem mudar de fase depois de 15 dias.
Entretanto, embora a medida estadual defina quais regiões podem começar as liberações de setores da economia, cabe aos prefeitos a decisão de como será feita a reabertura.
A capital paulista foi classificada na fase 2 (laranja), considerada como a etapa de controle, em que alguns setores podem ter suas atividades liberadas, mas com restrições. Os setores contemplados são shoppings, comércio, escritórios, atividades imobiliárias e concessionárias.
Em 30 de maio, o prefeito Bruno Covas publicou um decreto em que estabelece as regras para a reabertura.
De acordo com a medida, para que as atividades sejam liberadas, é necessário o envio de um proposta pelos setores econômicos à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho (SMDET) contendo:
Protocolos de distanciamento, higiene e sanitização de ambientes;
Protocolos de orientação de clientes e colaboradores;
Compromisso para testagem de colaboradores e/ou clientes;
Horários alternativos de funcionamento (escalas diferenciadas de trabalho) com redução de expediente.
Sistema de agendamento para atendimento;
Protocolo de fiscalização e monitoramento pelo próprio setor (autotutela);
Esquema de apoio para colaboradores que não tenham quem cuide de seus dependentes incapazes no período em que estiverem fechadas as creches, escolas e abrigos (especialmente as mães trabalhadoras).
Se aprovada, a proposta é enviada para análise da Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa), que analisará os aspectos técnicos do protocolo sanitário. Após o parecer da Covisa, o gabinete do prefeito analisará a proposta. Caso esta seja provada, o termo de compromisso com o setor será publicado, assim que este for publicado os estabelecimentos poderão retomar o atendimento seguindo as regras.
De acordo com a Prefeitura de São Paulo, desde 1º de junho a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho recebeu 74 propostas de entidades setoriais. Destas, 42 são de atividades econômicas permitidas na fase 2 e outras são de entidades das demais fases.
Segundo Rubens Rizek, secretário de governo municipal, não há prazo para a análise dos projetos, mas a liberação pode ocorrer antes do dia 15 de junho. Por enquanto, apenas 2 (escritórios e concessionárias) dos 5 setores foram autorizados a funcionar.