JOVEM RELATA TIA E AVÓ MORTAS ANTES DE TOMAREM VACINA CONTRA COVID - 19
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Publicado em 26/01/2021

Na segunda-feira, 18 de janeiro, o clima na TV era de alegria. Após meses de espera e mais de 200 mil mortes, o Brasil, finalmente, ia começar sua campanha de vacinação contra a Covid-19. Mas distante desse entusiasmo, na periferia de Manaus, o dia ainda refletia uma “ressaca”.

Quatro dias antes, o sistema de saúde havia colapsado pelo aumento no número de casos da doença. Faltou oxigênio hospitalar na cidade, e os relatos de morte por asfixia ainda assustavam a população. E, enquanto governos estadual e federal, divulgavam que a situação estava voltando à normalidade, o médico Tigran Melo liderava uma equipe com uma função simples: verificar as mortes ocorridas em casa, longe da rede hospitalar, a maioria delas por Covid-19. Vítimas para quem a vacina chegou tarde demais.

O serviço do qual Tigran, Mauro e Giovana fazem parte foi criado em maio do ano passado, após o primeiro colapso do sistema de saúde do Amazonas causado pela Covid-19. Com o número crescente de pessoas morrendo antes mesmo de chegarem aos hospitais, a Prefeitura de Manaus precisou encontrar uma forma de evitar que as famílias levassem seus mortos para hospitais ou unidades de pronto atendimento (UPAs) já abarrotados onde a verificação do óbito seria feita. Àquela altura, os médicos já não tinham tempo para cuidar dos vivos, muito menos dos mortos.

O trabalho do trio consiste em preencher um formulário com informações sobre a pessoa morta, como doenças pré-existentes, sintomas que vinha apresentando, idade, entre outras coisas. Além disso, a equipe faz uma breve análise do corpo para tentar identificar, por exemplo, eventuais sinais de algum tipo de violência. Nos últimos dias, porém, o principal “assassino” tem nome e sobrenome: novo coronavírus.

A gente avalia o corpo, toma informações e tenta identificar eventuais causas das mortes. Mas, recentemente, o que a gente percebe é que o novo coronavírus é o principal responsável por elas  diz Tigran.

Diante desse cenário, uma das tarefas obrigatórias do time é coletar amostras nos mortos para serem submetidas a exames de PCR para a Covid-19. O risco de infecção é grande e por isso os cuidados com as vestimentas não são negligenciados.

Os estudos a que a gente teve acesso indicam que, mesmo após a morte, os corpos continuam sendo vetores extremamente potentes de disseminação da doença. A gente tenta, a todo custo, não ser infectado  diz o médico.

Rua São Vicente, nº 43: uma família destroçada pela falta de oxigênio

A primeira parada foi por volta das 13h, na rua São Vicente, nº 43, no bairro São Lázaro, uma área pobre na zona sul de Manaus. Quando a equipe chegou, toda a vizinhança já sabia do que se tratava. A Covid-19 havia levado mais um. De dentro do sobrado de muros verdes, sai a costureira Yasmin Trindade, 24. Os olhos cheios de lágrimas gritavam o que a máscara escondia.

Yasmin conta que chamou o serviço porque sua avó, Maria Trindade, 81, havia morrido horas antes, colocando a família, novamente, em luto. Havia 10 dias que sua tia, irmã de seu pai, também havia morrido vítima da Covid-19. O pai, aliás, se recupera da doença.

Primeiro, morreu minha tia. Depois, meu pai ficou doente. Quando ele estava se recuperando, foi a minha avó que adoeceu. A gente não teve nem um tempo para respirar  conta.

Yasmin relata que, em meio ao caos das últimas semanas no sistema de saúde do Amazonas, ela não conseguiu atendimento para a avó nos hospitais da capital.

Tentamos levá-la para o 28 de Agosto (principal hospital público da cidade), mas não tinha vaga. Acionamos o Samu, mas disseram que não tinha ambulância. O jeito foi improvisar o tratamento dela. Conseguimos cilindro e vínhamos comprando as recargas de oxigênio. Até que acabou — diz Yasmin.

Yasmin foi designada para conseguir oxigênio extra para a sua avó a qualquer custo. Inicialmente, as cargas custava R$ 200, mas, no auge da crise, empresas privadas estavam cobrando até R$ 600. Para a família de autônomos, é uma pequena fortuna. Mesmo assim, Yasmin topou passar a madrugada em uma fila formada em frente a uma fábrica de oxigênio hospitalar para conseguir o que sua avó precisava para sobreviver. Até que seu telefone vibrou.

Eu tinha virado a madrugada e era a primeira da fila. Já estava com esperanças. Mas aí meu telefone vibrou. Era o pessoal de casa dizendo que não adiantava mais. Que minha avó já estava morrendo e que era para eu voltar, passar numa farmácia e comprar morfina para que ela não fosse embora sentindo dor disse.

Cansada, Yasmin lamenta o “timing” entre as mortes em sua casa e a chegada da vacina.

É muito triste que isso tenha acontecido justamente agora, quando a vacina está chegando. Infelizmente, para minha avó e a minha tia, não deu afirmou.

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