"E aí, esse dinheiro sai ou não sai?", pergunta uma trabalhadora doméstica sobre a possibilidade de renovação do auxílio emergencial em 2021. Mãe de dois filhos e moradora do Parque Fernanda, subdistrito do Capão Redondo, na Zona Sul de São Paulo, ela foi beneficiada no ano passado pelo auxílio emergencial dobrado para mães chefes de família.
A dúvida é a de milhões de brasileiros que ficaram sem a transferência emergencial de renda a partir de janeiro deste ano, num momento em que a pandemia volta a fazer mais de 1 mil vítimas por dia e o sistema de saúde de diversas capitais dá sinais de colapso.
Na terça-feira (26/01), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a negar a retomada do benefício. "A palavra é emergencial. O que é emergencial? Não é duradouro, não é vitalício, não é aposentadoria. Lamento muita gente passando necessidade, mas a nossa capacidade de endividamento está no limite", disse a apoiadores, na entrada do Palácio da Alvorada, em Brasília.
No mesmo dia, no entanto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu a possibilidade de renovação da ajuda emergencial, caso o número de mortes por coronavírus continue crescendo no país e o governo fracasse na vacinação da população. O ministro ponderou, porém, que isso exigiria cortes de outras despesas como forma de compensação.
"Quer criar o auxílio de novo? Tem que ter muito cuidado, pensar bastante. Se fizer isso, não pode ter aumento automático de verbas para educação e segurança pública, porque a prioridade passou a ser a guerra [contra a covid]", disse Guedes a uma plateia de investidores e empresários, durante evento online promovido pelo banco Credit Suisse.
A 'SINUCA DE BICO' DO GOVERNO FEDERAL
As falas divergentes de Bolsonaro e seu ministro num mesmo dia revelam o impasse que vive o governo federal.
Por um lado, a piora da pandemia e a necessidade de renovação das medidas de isolamento social em diversos municípios minam o discurso do governo de que a retomada da atividade econômica deve se dar em "V", ou seja, recuperando-se de maneira tão rápida quanto foi a queda.
Com isso, a esperada recuperação do mercado de trabalho fica comprometida e o risco de retorno à extrema pobreza de uma parcela considerável da população já é palpável nas primeiras notícias sobre a volta da fome em localidades mais pobres neste início de ano.
Nesse cenário, prefeitos e governadores pressionam o governo pela volta do benefício, e os dois principais candidatos à presidência da Câmara dos Deputados — Arthur Lira (PP-AL) e Baleia Rossi (MDB-SP) — já se declararam favoráveis à sua renovação, ainda que num formato mais enxuto e respeitando os limites da regra do teto de gastos, que impede que as despesas públicas cresçam acima da inflação do ano anterior.
Ao mesmo tempo, o governo já vê os efeitos do fim do auxílio e da crise da falta de oxigênio em Manaus na sua popularidade, o que também aumenta a pressão sobre um presidente com pretensões de tentar a reeleição em 2022.
Na outra ponta da balança, as limitações fiscais citadas por Bolsonaro são reais, já que o país deve ter encerrado 2020 com a relação entre dívida e PIB (Produto Interno Bruto) próxima a 90%, comparada a 74,3% em 2019.
Diante desse quadro, o mercado financeiro vê com preocupação a possiblidade de renovação do auxílio e seus economistas alertam que desrespeitar o teto de gastos deve levar a um aumento da taxa de juros e desvalorização adicional da moeda brasileira, com impactos sobre o investimento e a inflação, que já começa o ano em nível desconfortável.
Em meio a essa "sinuca de bico" que vive o governo federal, a BBC News Brasil ouviu especialistas para saber o que pode vir pela frente com relação ao auxílio emergencial.
Quanto a essa questão, os especialistas são unânimes: mesmo com o grave desequilíbrio das contas públicas nacionais, existem soluções possíveis para retomar o auxílio emergencial e sua eventual continuidade é uma decisão política.
"Quando olhamos para o mercado de trabalho, de fato há uma precariedade grande. A ocupação deve ter caído em torno de 10% no ano passado e, esse ano, deve crescer menos de 2%, num cenário em que a recuperação da economia se mantenha", observa Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado Federal.
"Isso significa que vai haver um contingente grande de pessoas sem remuneração formal ou informal, o que justificaria a continuidade de algum tipo de auxílio, ainda que diferente e em menor proporção do que no ano passado", diz Salto. "Essa é uma decisão política."
Lucas de Aragão, mestre em ciência política e sócio da consultoria de risco político Arko Advice, avalia que o auxílio, para ser prorrogado, depende de algumas variáveis.
"Se dependesse exclusivamente do Poder Legislativo, teria que respeitar o teto de gastos, com indicação da fonte de recursos, do contrário, a iniciativa é inconstitucional, afinal não estamos mais num estado de calamidade", diz Aragão.
Segundo ele, quanto à possiblidade de se estabelecer um novo estado de calamidade, que permitiria a despesa ser criada sem indicação de fonte de recurso, há uma divergência no Congresso se isso pode ou não ser proposto exclusivamente pelo Poder Legislativo.
"A Mesa do Senado acredita que não tem como, que é uma prerrogativa exclusiva do Poder Executivo. Já a Mesa da Câmara acredita que pode. Então não há clareza se um estado de calamidade poderia ser proposto pelo Poder Legislativo."