DEFEITO GENÉTICO FAZ HOMENS VIVEREM MENOS QUE MULHERES APONTA ESTUDO
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Publicado em 21/08/2022

Os homens vivem, em média, cinco anos a menos do que as mulheres e as causas não são claras. Hoje, um estudo sugere que, depois dos 60, o maior culpado é um defeito genético: a perda do cromossomo Y, que determina o sexo no nascimento.

Está claro que os homens são mais frágeis, a questão é por quê? — questiona Lars Forsberg, pesquisador da Universidade de Uppsala, na Suécia.

Durante décadas pensou-se que o cromossomo Y era um "lixo genético", cuja única função é gerar espermatozoides que determinam o sexo do recém-nascido. Um menino carrega um cromossomo X da mãe e um Y do pai, enquanto uma menina carrega dois Xs, um de cada.

Em 1963, uma equipe de cientistas descobriu que, à medida que os homens envelhecem, suas células sanguíneas perdem o cromossomo Y devido a um erro de cópia que ocorre quando uma célula mãe se divide para produzir uma filha. Em 2014, Forsberg analisou a expectativa de vida de homens mais velhos com base no fato de suas células sanguíneas terem perdido o cromossomo Y, uma mutação chamada mLOY. O efeito registrado foi "enorme", lembra a pesquisadora.

Homens com menos cromossomos Y tiveram um risco maior de câncer e viveram cinco anos e meio a menos do que aqueles que retiveram essa parte do genoma. Três anos depois, Forsberg descobriu que essa mutação triplicou o risco de Alzheimer. O mais preocupante é a enorme prevalência desse defeito: 20% dos homens com mais de 60 anos têm essa mutação. A taxa sobe para 40% nos maiores de 70 anos e 57% nos maiores de 90, segundo estudos anteriores do geneticista. "É, sem dúvida, a mutação mais comum em humanos", resume.

Até hoje, ninguém sabia se o desaparecimento gradual do cromossomo no sangue tem um papel causal nas doenças associadas ao envelhecimento. Em um estudo publicado em 14 de julho na revista Science, referência para a melhor ciência mundial, Forsberg, juntamente com cientistas do Japão e dos Estados Unidos, demonstra pela primeira vez que esta mutação aumenta o risco de problemas cardíacos, insuficiência do sistema imunitário e morte.

Pesquisadores criaram o primeiro modelo animal sem um cromossomo Y em suas células-tronco sanguíneas: camundongos modificados com a ferramenta de edição de genes CRISPR. O trabalho mostrou que esses roedores desenvolveram cicatrizes no coração — fibrose, uma das doenças cardiovasculares mais frequentes em humanos — e morrem mais cedo do que os ratos normais. Os autores então analisaram a expectativa de vida registrada de quase 15.700 pacientes com doenças cardiovasculares cujos dados estão armazenados no biobanco público do Reino Unido. A análise mostra que a perda do cromossomo Y no sangue está associada a um aumento de 30% no risco de morte por doença cardiovascular.

Esse fator genético pode explicar mais de 75% da diferença na expectativa de vida entre homens e mulheres acima de 60 anos — explica o bioquímico Kenneth Walsh, pesquisador da Universidade de Virginia (EUA) e coautor do estudo. Em outras palavras: essa mutação explicaria "quatro dos cinco anos a menos que a vida dos homens". O cálculo de Walsh decorre de um estudo anterior no qual homens com alta carga de mLOY vivem cerca de quatro anos a menos do que aqueles sem.

Sabe-se que os homens morrem mais cedo do que as mulheres porque fumam e bebem mais, além de serem mais propensos a atos imprudentes, entre outros fatores de risco externos. Mas, a partir dos 60 anos, a genética passa a ser a principal responsável pela deterioração da saúde; "Parece que os homens envelhecem mais rápido do que as mulheres", diz Walsh.

O estudo revela as chaves moleculares do dano associado à mutação mLOY. Dentro do grande grupo de células sanguíneas estão os glóbulos brancos do sistema imunológico, responsáveis pela defesa do corpo contra vírus e outros patógenos. A perda do cromossomo Y desencadeia um comportamento aberrante nos macrófagos, um tipo de glóbulo branco, de uma forma que causa mais cicatrizes no tecido cardíaco, o que por sua vez aumenta o risco de insuficiência cardíaca. Os pesquisadores mostraram que o dano pode ser revertido se derem pirfenidona a camundongos, um medicamento aprovado em humanos para tratar a fibrose pulmonar idiopática.

Existem três fatores de risco que aumentam os efeitos da perda do cromossomo Y. O primeiro é inevitável: o envelhecimento. Quanto mais anos se vive, mais divisões celulares ocorrem no organismo e maior a probabilidade de ocorrerem mutações no processo de cópia do genoma. A segunda é fumar. “Fumar faz com que você perca o cromossomo Y do sangue de forma acelerada; e se você parar de fumar, as células saudáveis voltam a ser maioria”, resume Walsh. A terceira também é inevitável: existem outras mutações genéticas hereditárias que multiplicam por cinco a perda gradual do cromossomo Y no sangue, explica Forsberg.

Os dois cientistas acreditam que este estudo abre um "enorme" campo de pesquisa, embora, por enquanto, estes sejam apenas os primeiros passos. É necessário estudar se homens com esta mutação também têm fibrose no coração e se é a causa de seus ataques cardíacos e outras doenças cardíacas. Também é preciso entender melhor por que perder o cromossomo Y prejudica a saúde. "Até agora mostramos que o cromossomo Y não é uma lata de lixo genética que só serve para reprodução, mas que é importante para a saúde", argumenta Forsberg. O próximo passo é identificar quais genes são responsáveis por esse fenômeno.

A perda desse cromossomo foi detectada em todos os órgãos e tecidos do corpo e em todas as idades, embora seja mais evidente após os 60 anos. É abundante no sangue, porque é um órgão que produz milhões de novas células todos os dias a partir de células-tronco do sangue. Assim, Células-tronco saudáveis produzem filhas também saudáveis e células-tronco mutantes produzem filhas mLOY.

Em um estudo anterior, foi demonstrado que essa mutação no cromossomo Y interrompe o funcionamento de até 500 genes localizados em outras partes do genoma. Além disso, foi demonstrado que danifica os linfócitos e as células natural killer, dois componentes críticos do sistema imunológico, em homens com câncer de próstata e Alzheimer, respectivamente.

Quase não existem testes para mLOY no momento. A equipe de cientistas projetou um teste de PCR que mede o nível dessa mutação no sangue que poderia ser facilmente escalonado e serviria para determinar quais níveis dessa mutação são prejudiciais à saúde. “No momento, vemos pessoas na faixa dos 80 anos que têm 80% de suas células sanguíneas mutadas, mas não sabemos o impacto que isso tem em sua saúde”, diz Walsh.

Outra questão sem resposta por enquanto é por que os homens perdem a marca genética masculina com a idade. A lógica evolutiva, argumentam os autores do trabalho, é que os homens são biologicamente projetados para ter filhos o mais rápido possível e viver 40 ou 50 anos no máximo. O espetacular aumento da expectativa de vida no último século fez com que homens e mulheres vivessem até idades muito avançadas —80 e 86 anos na Espanha, respectivamente—, o que torna mais evidente o efeito dessas mutações. Outro fato possivelmente relacionado: a grande maioria das pessoas que chegam aos 100 anos de vida são mulheres.

Para transformar todas essas descobertas em tratamentos, precisamos entender melhor esse fenômeno — destaca Forsberg — Os homens não foram projetados para viver para sempre, mas talvez possamos aumentar nossa expectativa de vida por mais alguns anos — acrescenta.

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O bioquímico José Javier Fuster estuda mutações patológicas em células do sangue no Centro Nacional de Pesquisa Cardiovascular. O especialista destaca a importância do trabalho. "Até agora não estava claro se a perda de Y era a causa do câncer, Alzheimer e insuficiência cardíaca ou um simples marcador casual", explica ele. "Esta é a primeira demonstração em animais de que tem um papel causal. "O cromossomo Y humano é diferente do camundongo, então a prioridade agora é acumular mais dados em humanos. Este é um ótimo primeiro passo para entender esse novo mecanismo por trás das doenças relacionadas à idade", acrescenta.

As células do corpo humano agrupam o DNA em 23 pares de cromossomos que se unem um a um quando uma célula copia seu genoma para gerar uma filha. O Y é o único que não tem um parceiro simétrico com o qual se encaixar: o faz com um cromossomo X; e muitas vezes todo o cromossomo Y é perdido — explica Luis Alberto Pérez Jurado, da Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona. — Até agora, foram identificados seis genes dentro do cromossomo Y que seriam responsáveis pelos impactos na saúde. Todos eles estão relacionados ao bom funcionamento do sistema imunológico — destaca. Em parte, isso também explicaria a maior vulnerabilidade dos homens às infecções virais, incluindo a Covid.

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