Quem passa pela avenida Brigadeiro Eduardo Gomes, no bairro dos Estados, zona Leste de Boa Vista, pode até pensar que está vivendo um "live action" do quadro surrealista "A Persistência da Memória", do pintor espanhol Salvador Dalí. Isso porque o telhado de uma das casas "derreteu" por conta do desgaste do sol.
A cena gera curiosidade e piadas entre os moradores que relacionam o derretimento com o calor de Roraima. Para explicar como isso é possível, o g1 ouviu pesquisadores da Universidade Federal de Roraima que explica que sim, tem relação com o sol. A casa está abandonada há, pelo menos, 15 anos.
Roraima é um estado quente - em 2022, por exemplo, o dia mais quente do ano chegou a 36,4°C e foi registrado no último sábado (8). Nos picos de calor, a sensação térmica pode chegar à 40 °C.
Com o início do período seco do estado, a curiosidade em relação ao derretimento das telhas da casa – que se parecer com panos pretos rasgados – só aumentam.
O problema antigo da casa pode ser visto até pelo Google Street View, ferramenta que permite ver ruas e avenidas pela internet: quem acessa a avenida de forma on-line pode ver uma imagem de 2019 que mostra os primeiros sinais do telhado se derretendo.
Ao analisar as imagens do telhado, a doutora em patologia das construções e professora do curso de engenharia civil na UFRR, Gioconda Martinez, explicou que essas telhas provavelmente eram feitas de compósito de fibras com cimento asfáltico, conhecidas como telhas de fibrocimento, que, expostas a climas muito quente, acabam derretendo.
"A telha é formada por um composto de fibras, com cimento asfáltico, o cimento de base asfáltica. E o que foi que aconteceu com essa tecnologia? Em climas excessivamente quentes, como o nosso, a estrutura dela não não aguenta a deformação promovida pelo aumento de temperatura e amolece. Entendeu? Porque cimentos asfálticos de petróleo têm essa característica de ter um amolecimento mediante a elevação da temperatura."
"Isso possivelmente se deu devido ao ponto de amolecimento desse material, que não respondeu bem para uma cidade e para essas regiões de temperatura muito elevada", frisou.
Gioconda Martinez destacou ainda que esse tipo de telha não é mais tão vendida atualmente no mercado da construção civil, justamente porque a qualidade deixava a desejar diante ao clima roraimense.
"Essa é uma telha que passou o boom de uso dela, o apelo comercial. O pessoal vai tendo a experiência (negativa) e vai deixando de lado. E surgiram também outros tipos de telha", disse, acrescentado ter visto outros casos parecidos de telhas derretidas pelo sol ao longo da carreira como engenheira e pesquisadora.
Ela também explicou que se usado o material correto em construções civis, esse amolecimento não irá acontecer. A unidade do período chuvoso também pode ter contribuído para o desgaste.
"Às vezes, dependendo do tipo de composição feita, com excesso de umidade nas épocas de chuva também ocorre isso. Mas, nessa época de insolação severa, possivelmente, afetou a vulnerabilidade do cimento asfáltico ao calor".
Já o doutor em física pela Universidade de Campinas (Unicamp) e também professor na UFRR, Roberto Câmara, explicou que o fenômeno que causou se chama "intemperismo" e, embora, cause essa percepção de derretimento, o que houve, na verdade, foi o "amolecimento" das telhas.
"Esse processo que ocorre pela ação da chuva e do sol, chamamos de intemperismo. Ele não causa derretimento diretamente, mas causa o desgaste do material, principalmente perda das propriedades mecânicas. Ou seja, não há possibilidade da ação de chuva e sol derreter o material, mas sim de amolecer", explica.
Ele destacou que para derreter um material como uma telha comum é necessário que haja uma exposição a 400 graus Celsius.