“O direito à saúde, que é fundamental, não pode ser esquecido em detrimento de regras vagas e genéricas”. A frase é do advogado Bruno Rodarte, especialista em Direito Administrativo, que analisou o caso do adolescente de 17 anos desclassificado do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), após o sensor de glicemia disparar durante a prova, no domingo (3), em Sobradinho, no Rio Grande do Sul. Rodarte é categórico ao dizer que o estudante pode acionar a Justiça para conseguir a reaplicação da prova.
“Sem nenhuma dúvida, é possível, sim, ingressar na esfera judicial a fim de buscar a revisão dessa decisão que concluiu pela eliminação do candidato. Via de regra, o judiciário não pode interferir em questões decididas na esfera administrativa. Entretanto, quando essa decisão for teratológica (aquelas que se desviam significativamente dos princípios e fundamentos jurídicos estabelecidos), for ilegal, violar regras de princípios constitucionais, dentre outras situações, é possível, sim, que o judiciário faça as vezes daquele órgão e corrija eventual ilegalidade”, apontou.
O caso do adolescente foi postado pelo pai dele, Rudnei Noro, nas redes socais. Na postagem, ele explicou que o filho tem diabetes tipo 1, quando há pouca ou nenhuma produção de insulina no corpo, e que precisa monitorar o nível de açúcar no sangue para saber quando tomar o medicamento. O adolescente usa no braço um tipo de sensor de glicemia, que é conectado ao celular, e apita quando os níveis estão fora do normal.
“Nesse caso em específico, existe até mesmo uma particularidade, pois o edital do Enem 2024 prevê de uma forma expressa que, dentre outras situações, um indivíduo que possuir alguma condição específica, a ser comprovada e justificada, tem, sim, direito a uma sala especial. E um ponto interessante é que, logo no item seguinte, há previsão de que o participante que solicitar esse especial e ele for deferido, ou seja, for acolhido, poderá utilizar de um medidor de glicose e até mesmo de uma bomba de insulina dentro do ambiente da prova. Então, por isso que é necessário analisar com cautela todas as particularidades, para aí sim buscar eventualmente as vias judiciais”, disse o advogado.
Ainda conforme o pai, o celular do adolescente estava sob a posse do fiscal na hora da prova, quando o alarme do sensor disparou uma vez. A situação já foi suficiente para que o estudante fosse eliminado e retirado da sala por “perturbar os demais alunos”. O adolescente ainda precisou assinar uma ata e foi obrigado a deixar a escola onde fazia a prova.
A reportagem procurou o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira sobre o caso do aluno e aguarda retorno.
Reaplicação
Conforme o Inep, que organiza o exame, o prazo para solicitar a reaplicação será de 11 a 15 de novembro e somente alguns casos têm direito: quem foi prejudicado por problemas logísticos ou acometido por alguma das doenças infectocontagiosas previstas no edital.
Para esses casos, as novas provas serão nos dias 10 e 11 de dezembro. Para o advogado, o estudante pode solicitar a reaplicação e até acionar a Justiça para ter o direito garantido.
“Ingressando na Justiça, também é possível pedir, de forma imediata, tendo em vista a proximidade da prova e justificando os requisitos necessários para tanto, principalmente a probabilidade do direito alegado e o risco de dano, a reaplicação das provas, que já está agendada, salvo engano, para dezembro deste ano”, diz Bruno Rodarte, que completa:
“Temos que ainda mais nesse caso, fundamentado em laudos médicos que comprovem a necessidade daquele acompanhamento e o risco de uma eventual demora no tratamento, se torna ainda mais possível e até mesmo recomendado buscar sim as vias judiciais para tentar consertar, ‘retificar’, corrigir eventual ilegalidade”.