Motoristas de transporte de passageiros via aplicativo, como Uber e 99 Moto, se envolveram, em média, em 1,5 acidente por dia nos primeiros 20 dias de fevereiro em Belo Horizonte. Foram 30 acidentes registrados em 20 dias, conforme levantamento obtido pela Itatiaia a partir de boletins de ocorrência registrados pelas polícias Militar e Civil envolvendo profissionais que prestam o serviço, cuja regulamentação está em debate na capital mineira.
Um destes acidentes terminou em morte: em 10 de fevereiro, a moto que transportava Romilda Alves de Araújo, de 53 anos, bateu na traseira de um carro na avenida Nossa Senhora do Carmo, no Sion, na região Centro-Sul. Com o impacto, ela foi lançada do veículo na pista e morreu atropelada por um ônibus.
Quem sobrevive ao choque convive com ferimentos e o trauma. É o caso de uma assistente de atendimento, de 52 anos, entrevistada pela reportagem. A trabalhadora, que não será identificada, era transportada por um motociclista que não respeitou a parada obrigatória e bateu em um Fiat Punto, no encontro das ruas Ipanema e Expedicionário Paulo de Souza, no bairro Urca, região da Pampulha, no dia 14 de fevereiro.
Em relato emocionado, uma passageira chorou ao lembrar que, por pouco, não foi atropelada por outros veículos. “Estou muito abalada e não tive mais coragem de andar de moto”, afirma. “Quando montei na moto, ele passou em um bueiro e não desviou. Qualquer obstáculo ele passava por cima e não parava. Achei isso estranho, fiquei com medo e falei: ‘moço, para a moto, por favor, em qualquer lugar. Pode parar a moto que eu vou descer’. Fiquei com medo, porque ele estava fazendo zigue-zague. Cheguei achar que ele estava drogado, bêbado. Ele não falou nada e seguiu a corrida”, conta.
Quando estava perto de casa, a passageira disse que alertou o motociclista sobre a parada obrigatória. “Ele não parou e atravessou”, denuncia. “Entrei em estado de choque e a única coisa que consegui falar foi: ‘Deus toma conta Minha vida, Senhor toma conta da minha vida’. Não sei o que aconteceu, porque foi muito rápido, mas ele não conseguiu virar a esquina para a avenida principal, avançou a contramão e bateu de frente no veículo que estava descendo. Com o impacto da colisão, bati com toda força minha cabeça, com capacete, o meu ombro no carro e fui arremessada. Voei para trás, cai de barriga no chão e o outro veículo só não passou em cima da minha cabeça porque Deus me deu um livramento”, emociona-se ao lembrar.
Ainda conforme a passageira, familiares do motociclista chegaram ao local e disseram que ele ficou com sequelas decorrentes de outro acidente e, por isso, não tinha condição de pilotar. “O tio dele falou que eles já estavam esperando o pior. Ele não tem estrutura nenhuma para pilotar. Sofreu um acidente há um ano, ficou com sequelas, perdeu a noção das coisas e não fala coisa com coisa. A mãe esconde a chave para ele não sair de moto, e a plataforma o mantém ativo”, denuncia. “Os motoqueiros dão duro nas ruas, mas quem ganha é a plataforma”.
Antes, ela usava o serviço de aplicativo todos os dias, para ganhar tempo no trânsito. Com o acidente, precisou ficar afastada do trabalho por uma semana, por uma lesão na clavícula, e não teve mais coragem de subir em uma motocicleta.
Regulamentação
Especialistas ouvidos pela reportagem ressaltam que o número de acidentes ainda pode ser maior, uma vez que nem sempre é possível identificar que o motociclista trabalha com transporte via aplicativo.
Especialista em trânsito, Silvestre de Andrade, 71 anos, lembra que acidentes com moto já representam a maioria dos registros graves. “Na moto, você está exposto e qualquer incidente pequeno que aconteça na pista, seja um buraco, um fechamento por outro veículo, uma colisão: a pessoa vai direto no chão. E é muito mais grave para o passageiro do que para o condutor, porque o condutor tem uma visão melhor e está atento ao trânsito. Quem está atrás não tem essa mesma percepção”, aponta.
Silvestre avalia ainda que nem mesmo uma regulamentação seria suficiente para mudar o quadro. “Não é um problema de regulamentação, embora isso possa ajudar numa fiscalização mais eficiente e punições mais claras. A questão básica é que você está em um trânsito complexo, com um veículo frágil e conduzido de forma inadequada. Quando o motociclista leva uma carga, a responsabilidade maior é com a própria segurança. Quando está transportando passageiro, ele tem um compromisso mais complexo”, pontua.
Emprego
Ederson Junior, conselheiro de mobilidade do Fórum do Motociclista, trabalha há anos com app. Ele reconhece que o número de acidentes é elevado e se mostra favorável à regulamentação, desde que priorize os trabalhadores. Ele também lembra que aplicativos oferecem treinamento aos parceiros.
"É um número que assusta, todo dia acontece acidente com moto. Do transporte de gás, de água, da farmácia. O transporte pode ser mais seguro se houver capacitação. Mas se proibirem em BH, vai gerar grande desemprego. São vários pais de família que dependem dos aplicativos para conseguir o sustento de casa”, alerta.