Julgamento de Mariana: defesa das vítimas diz que responsáveis ‘merecem cadeia’
Ação de Londres terminou nesta quinta-feira (13), mas sentença deve demorar meses para sair; BHP diz que, se condenada, ação pode se estender até 2028
Publicado em 14/03/2025 06:35
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O CEO da Pogust Goodhead, escritório que representa as vítimas pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em 2015, Tom Goodhead, disse nesta quinta-feira (13), após o fim do julgamento contra a mineradora australiana BHP, que os responsáveis pela tragédia ‘merecem a cadeia’. As partes agora aguardam a sentença, que pode levar meses para ser anunciada. A ação envolve cerca de 620 mil vítimas.

A defesa expressou otimismo com uma possível condenação da empresa. Tom Goodhead criticou a postura da BHP, dizendo ser ‘o pior comportamento corporativo já visto’ e acusou a mineradora de tentar atrasar o processo para pagar menos às vítimas.

“Ouvimos nos últimos meses de julgamento em Londres provas e evidências da responsabilidade da BHP em relação ao rompimento da barragem. Começamos o julgamento com a BHP falando que não tinha nada a ver, que a Samaro era independente e que a BHP não era responsável pelas operações. Ofereceram migalhas como compensação. Esses argumentos são falácias. Acho que o mundo precisa entender o que esta empresa fez. A BHP forçou centenas de milhares de vítimas a viajarem ao redor do mundo para brigar por justiça. É o pior comportamento corporativo já visto de uma empresa no mundo”.

O rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 5 de novembro de 2015, matou 19 pessoas, devastou comunidades inteiras e despejou 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos no rio Doce, atingindo o oceano Atlântico. A barragem era operada pela Samarco, empresa controlada pela Vale e pela BHP.

‘Estratégia do medo’

A ação em Londres foi movida por cerca de 620 mil atingidos, que reivindicam indenizações na casa dos 36 bilhões de libras (R$ 266 bilhões). O julgamento britânico começou em 21 de outubro de 2024 e se encerrou nesta quinta-feira (13). No entanto, a decisão final pode levar meses para ser anunciada. Se condenada, a BHP poderá recorrer, o que pode prolongar o processo até 2028.

“A estratégia da BHP sempre foi a de usar a ameaça de atraso, da espera, da demora, com o objetivo de pagar menos. Eles brincam, usam o estresse, a fome, o cansaço e o desespero das vítimas para evitar de pagar uma compensação integral. Eles nem tentam esconder isso. Optam pela tática do atraso para se esquivar da justiça”, disse Tom.

O advogado também atacou os valores oferecidos nos acordos firmados no Brasil, comparando-os com as indenizações buscadas no Reino Unido. “No Brasil, quando fizeram a Renova, estavam oferecendo uma indenização de mil reais para os atingidos, logo depois do desastre. Essa mesma fundação tinha um padre fake como um dos peritos. É um completo desastre”, disse.

Goodhead também mencionou uma oferta feita pela BHP ao município de Mariana logo após o rompimento da barragem.

“A BHP ofereceu para o irmão do Juliano [Duarte Jr.], R$ 10 milhões para todo o município, em troca de uma quitação total de toda e qualquer ação que pudessem ter contra as mineradoras. Hoje, na repactuação do Brasil, oferecem R$ 1,2 bilhão, o que ainda achamos escandalosamente baixo”.

Esperança na ação inglesa

O prefeito de Mariana, Juliano Duarte, também se manifestou sobre os valores da repactuação firmada no Brasil e afirmou que a cidade espera receber uma indenização mais justa na Justiça britânica.

“Mariana aguardou nove anos para que a repactuação acontecesse. Na repactuação do Brasil, nenhum prefeito participou das discussões. E os valores ofertados foram apenas 4% do valor total que seria dividido para 49 prefeituras que foram reconhecidas como atingidas, em um pagamento em 20 anos - uma parcela por ano”, explicou.

Duarte acredita que uma decisão favorável no Reino Unido pode trazer um alívio financeiro mais rápido para os municípios que ingressaram com a ação.

“Com essa condenação, vamos receber de forma imediata, como também os prefeitos que ficaram na ação da Justiça inglesa. No Brasil, Mariana vai receber R$ 1,2 bilhão em 20 anos. Aqui, temos certeza de que teremos uma indenização justa”.

‘Provas mortais’

O advogado e ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo afirmou que a responsabilidade da BHP no desastre é clara e que a empresa buscou esvaziar a ação no Reino Unido ao firmar o acordo no Brasil.

“Acompanho esta ação desde o momento em que a Justiça inglesa reconheceu que tinha competência para julgar. A prova é mortal. Tenho convicção de que serão condenados e de que a indenização a ser paga será de patamar bem superior ao fixado no acordo no Brasil”, afirmou Cardozo.

Ele também destacou as pressões que prefeitos enfrentaram para aceitar a repactuação brasileira. “Pressionaram os municípios, houve pressões inacreditáveis sobre os prefeitos. Não é possível fazer um acordo onde os municípios e os atingidos não estavam na mesa.”

Justiça após quase uma década

Entre as vítimas que acompanharam o julgamento, o sentimento é de ansiedade e esperança.

“São nove anos e meio de espera e justiça, na esperança de que serão condenados”, disse Gelvana Rodrigues, moradora de Bento Rodrigues.

Monica dos Santos ressaltou que a tragédia não foi um acidente.

“O que aconteceu hoje e o que acontecerá nos próximos meses é uma formalidade. Temos ciência de que a Vale, BHP e Samarco são culpadas. Não foi fatalidade, foi um crime.”

Pamela Fernandes, que perdeu um filho no desastre, destacou o alívio de ver o caso chegando ao fim.

“A sensação de que a justiça será feita dá um pouco de paz para a gente. Saber que a vida do meu filho não foi tirada em vão traz um conforto.”

O que diz a BHP?

A BHP afirmou que, caso seja condenada, a disputa judicial pode se estender até 2028, com um possível segundo julgamento para definir os valores das indenizações. A mineradora sustenta que já vem trabalhando na reparação dos danos causados pela tragédia no Brasil.

A empresa reiterou que os acordos firmados no país são suficientes para garantir a compensação das vítimas. Segundo a BHP, a Fundação Renova já desembolsou bilhões de reais em indenizações e projetos socioambientais.

Leia a nota da BHP na íntegra

“O rompimento da barragem de Fundão da Samarco em 2015 foi uma tragédia, e nossa solidariedade permanece com as famílias e comunidades atingidas. As audiências no Reino Unido sobre a alegada responsabilidade da BHP terminaram em 13/03 e uma decisão deverá ser proferida pelo Tribunal até o final do ano. Se o caso continuar após a decisão sobre responsabilidade, a segunda fase do julgamento está programada para ocorrer entre outubro de 2026 e março de 2027. Em seguida, será necessária uma terceira etapa, ainda não agendada, na qual cada reclamante precisará provar seus danos individuais antes que qualquer pagamento seja feito, o que poderá ocorrer somente após 2028.

Desde o primeiro dia, a BHP Brasil tem apoiado a Samarco para a garantir compensação e reparação justas e abrangentes para as pessoas e o meio ambiente atingidos pelo rompimento da barragem. Nos últimos nove anos, a Samarco e a Renova, apoiadas pela BHP Brasil e Vale, forneceram assistência financeira emergencial e pagaram indenizações a aproximadamente 432.000 pessoas, empresas locais e comunidades indígenas e tradicionais, e está reparando o meio ambiente, moradias e infraestrutura impactadas. Aproximadamente 200.000 requerentes no Reino Unido já receberam um total de R$ 9,5 bilhões por meio dos programas indenizatórios disponíveis no Brasil.

Em outubro do ano passado, um novo e definitivo acordo de R$ 170 bilhões foi assinado com as autoridades brasileiras, o maior do gênero na história do Brasil, para fornecer apoio de longo prazo às comunidades atingidas. Mais de 70.000 pessoas já se inscreveram para um novo e definitivo sistema indenizatório conduzido pela Samarco no Brasil, sendo o caminho mais rápido e eficiente para o recebimento de indenizações. Além disso, 26 municípios também assinaram o acordo no Brasil, 15 dos quais são requerentes do Reino Unido e retiraram (ou estão em processo de retirada) suas demandas no Reino Unido.

Estamos confiantes com nossa defesa no Reino Unido e nas evidências apresentadas, as quais demonstram que segurança sempre foi prioridade para a BHP e que agimos com responsabilidade. Continuaremos a nos defender no caso, respeitando o processo legal inglês. A BHP não está envolvida em nenhuma negociação de acordo em relação ao processo inglês e continua certa de que o trabalho em andamento no Brasil desde 2015 é o melhor caminho para garantir uma reparação completa e justa para as pessoas atingidas e para o meio ambiente”.

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