Os médicos de uma criança de dois anos, portadora de uma síndrome que causa o mau funcionamento do intestino grosso, esperam receber um prontuário dela para realizar uma cirurgia.
A menina nasceu na Santa Casa BH em março de 2023 e foi diagnosticada com doença de Hirschsprung, condição que dificulta a passagem das fezes por conta da ausência de células nervosas nos músculos do intestino grosso.
Atualmente, a criança utiliza uma bolsa de colostomia e aguarda para fazer uma cirurgia para retirá-la.
Seu pai, então, entrou em contato com o hospital onde ela nasceu para buscar seu prontuário médico, que tem 9.582 páginas, e passá-lo para os cirurgiões.
No entanto, ao procurar a Santa Casa, foi informado de que precisa realizar um pagamento via Pix de R$ 1.929 para imprimir o prontuário ou de R$ 4.804 para digitalizá-lo. Além disso, é necessário esperar um prazo de 12 dias úteis para pesquisa e busca do documento.
O pai procurou a Itatiaia e afirmou que a situação gerou uma “revolta” na família. “A Santa Casa é 100% SUS. E isso é um serviço da Santa Casa, então não condiz. Como que é 100% SUS e eu tenho que pagar R$ 4 mil para ter um relatório? Ela está precisando desse relatório para fazer um procedimento”, disse.
Santa Casa justifica cobrança
Procurada pela Itatiaia, a Santa Casa BH justificou: “os valores cobrados pela instituição referem-se exclusivamente à cobertura dos custos administrativos envolvidos no processo de desarquivamento, reprodução e/ou digitalização dos documentos solicitados”.
O hospital argumentou que os prontuários são armazenados em um local externo por uma empresa especializada na conservação dos documentos.
“Esse tipo de cobrança não é vedada pela legislação vigente e não configura prática irregular”, afirma a Santa Casa BH.
O hospital informou que cobra os seguintes valores para disponibilizar os prontuários de pacientes:
R$ 13,00 — Taxa de desarquivamento em guarda externa;
R$ 0,20 por página — Para cópia impressa (xerox);
R$ 0,50 por página — Para envio digitalizado em formato PDF.
“Caso o solicitante não tenha condições financeiras de arcar com os custos, ele pode procurar a Unidade Básica de Saúde (UBS) de referência e solicitar à assistente social a emissão de um relatório ou declaração, devidamente assinado, carimbado e datado, atestando sua impossibilidade de custeio. Com esse documento, o pedido de isenção será analisado pelo setor responsável da Santa Casa BH”, afirma.
O denunciante informou que, após contato da reportagem, foi procurado pela Santa Casa, que o orientou a pedir a isenção do custo. Ele conta que foi à UBS, mas que o atendente não tinha informações sobre a gratuidade e o orientou a retornar na próxima sexta-feira (2) para receber mais informações.
Advogada analisa
Procurada pela Itatiaia, Bárbara Abreu, advogada especialista em Direito Médico e da Saúde, afirma que um hospital cobrar pela disponibilização do prontuário médico de um paciente é uma medida que tem respaldo legal e que o valor é para “custos estritamente necessários à reprodução do documento”.
“Contudo, esse dispositivo deve ser interpretado com cautela no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), regido pelos princípios da universalidade, integralidade e gratuidade do atendimento, conforme previsto na Lei n.º 8.080/1990”, disse.
A advogada reforça que ter acesso ao prontuário médico é um direito do paciente. “Por isso, condicionar seu fornecimento ao pagamento, especialmente quando em formato digital, pode representar violação ao dever estatal de assegurar o pleno acesso à informação e à assistência em saúde, constituindo prática passível de contestação administrativa e judicial”, afirma.