Contrariando as políticas públicas mais recentes e a opinião de muitos especialistas , o governo de Jair Bolsonaro decidiu dar ênfase à internação como forma de tratar a dependência química e, agora, está prestes a autorizá-la mesmo em casos em que não há o consentimento dos pacientes.
Um projeto de lei aprovado no Senado há dez dias, que aguarda apenas a sanção presidencial, estabelece a internação involuntária de dependentes químicos — a partir do pedido de um familiar, responsável legal ou até de um servidor público da área de saúde — e abre margem, por exemplo, para que populações de rua das chamadas Cracolândias sejam recolhidas e encaminhadas para leitos hospitalares.
O texto altera a Lei de Drogas , de 2006, e outras 12 normas sobre o assunto. A aprovação do Senado ao projeto — apresentado nos idos de 2013 pelo então deputado e hoje ministro da Cidadania, Osmar Terra — acendeu o alerta de especialistas e órgãos ligados à saúde e aos direitos humanos.
O Centro Brasileiro de Estudos sobre Saúde (Cebes) lançou nota pública na qual afirma ver “graves retrocessos nas políticas de drogas”. O comunicado crítico foi endossado por mais de 70 entidades, como o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil .
A internação involuntária não é novidade na legislação brasileira — estava prevista na chamada Lei da Reforma Psiquiátrica, de 2011. A diferença é que o projeto de Osmar Terra inclui a medida no âmbito da Lei de Drogas, autorizando sua solicitação inclusive por servidores públicos, embora um laudo médico deva sempre embasar a demanda.
Acelerando a internação involuntária
— Entendemos que a internação pode ser parte do processo, mas não o primeiro passo de um tratamento e, ainda assim, tudo depende de cada paciente. Com o projeto de lei, a internação passa a ser um primeiro recurso. Isso por si só já é grave, pode aumentar consideravelmente o número de pessoas internadas — alerta Paulo Aguiar, do Conselho Federal de Psicologia.
O próprio autor do projeto, o ministro Osmar Terra, confirma que seu texto facilita a internação forçada de dependentes químicos:
— Já existia, na Lei de Drogas, a internação compulsória (por mandado judicial). Na involuntária, é mais rápido o processo. Se não tem família, um assistente social ou um agente público que está ali cuidando daquela população pode pedir, e o médico, sempre ele, decide a internação — afirma Terra, em entrevista ao GLOBO. — Sendo internado, comunica-se ao Ministério Público , que passa a acompanhar o caso. Ele vai ficar internado só para desintoxicar. É o início do tratamento.
Seu projeto reverbera o que já fora previsto na nova Política Nacional sobre Drogas (PNAD), aprovada no final de abril. A tônica ali está no modelo da abstinência — segundo o qual o dependente químico deve se abster do consumo de drogas, caminho que prevê a internação — e não mais o modelo da redução de danos, um conjunto de estratégias para que o indivíduo reduza os riscos do abuso de drogas até, se possível, atingir a abstinência completa.