A Vale está sendo acusada de omitir informações sobre parte dos terrenos atingidos pela lama em Brumadinho que têm potencial de mineração. Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), há potencial minerário em locais devastados pela tragédia e isso não foi informado aos donos dos terrenos e nem à Defensoria Pública, que homologou acordos de indenização entre a mineradora e os moradores.
De acordo com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), essa informação dá direito aos moradores de reivindicar mais dinheiro do que está sendo oferecido pela empresa.
A polêmica está debaixo de toneladas de lama e a área coberta de rejeitos de minério da barragem que se rompeu em Brumadinho pode ser lucrativa para a Vale.
São 905 hectares que ficam perto do Córrego do Feijão. Uma área equivalente a 900 campos de futebol. O terreno que está sem vida, era fonte de renda para agricultores da região antes da tragédia. No local existiam sítios, plantações, criações de animais que serviam de sustento para muita gente.
O que ninguém sabia é que debaixo desse solo existe uma jazida mineral e a Vale está de olho nela há pelo menos 13 anos. O documento da ANM mostra que a mineradora começou o processo de pesquisa no terreno em 2006.
A área foi vasculhada pela empresa durante quatro anos, com autorização da agência. Segundo a Vale, foram feitos três furos de sonda na parte noroeste da área, e o relatório final, apresentado à ANM, foi positivo.
A Vale disse que na região foi encontrado um potencial minerário pequeno, de apenas 430 mil toneladas, mas o engenheiro de produção mineral Bruno Milanez falou que o relatório positivo significa que existe uma quantidade de minério de ferro que torna a exploração economicamente viável.
“A gente tem que entender que o direito minerário ele se mantém durante muito tempo, então a Vale, enquanto ela tiver o direito minerário sobre aquela área ninguém mais pode minerar lá. É um estoque de minério de ferro que ela tem para ser usado no momento que ela achar mais interessante”, explicou Milanez.
Somente que essa informação de que pode haver uma riqueza mineral no solo, não foi passada a um dos principais interessados nesse processo: os donos dos terrenos.
Em abril deste ano, a Defensoria Pública de Minas Gerais firmou um termo de compromisso com a Vale para indenização de danos materiais e morais dos atingidos pelo rompimento da barragem de Brumadinho, mas a defensoria garante que em momento algum foi informada pela Vale sobre o potencial minerário da região e isso pode mudar os parâmetros de negociação.
O MAB disse que a falta de transparência nas informações prejudica as famílias.
“É uma postura de um criminoso que amplia cada vez mais o seu crime na medida em que ele sonega as informações à população e, com isso, consegue retirar direitos dessa população. Esse fato de ter uma região com uma concessão, e justamente essa região atingida, já ter tido pedido de concessão de lavra nessa região isso poderia ter um valor das terras muito maior do que o valor que a Vale está pagando”, afirmou Joceli Andreoli, membro da Coordenação Nacional do MAB.
O processo de pesquisa minerária está sob sigilo a pedido da Vale e a data dessa solicitação gerou desconfiança. O sigilo foi pedido à ANM no dia 9 de abril deste ano – quatro dias depois da assinatura do termo de compromisso feito com a defensoria.
“Pra nós, isso não faz diferença nenhuma. Vamos constatar é se houve ou não esse prejuízo às pessoas com sigilo ou sem sigilo. Se houver prejuízo, vamos negociar novos valores. Esse acordo tem objetos definidos, versa sobre prejuízos conhecidos naquela época, se novos prejuízos vierem a ser constatado e a gente previu isso no acordo, novos acordos pra tratar desses novos prejuízos constatados podem ser feitos, ou seja, daquilo que a gente sabia, tinha conhecido da época, o acordo foi feito”, falou o defensor público Felipe Soledade.
O Ministério público pediu informações sobre o processo a agência nacional de mineração.
“Em princípio, o sigilo pode vir a representar um prejuízo pra essas pessoas que não conseguem ali, sem postura clara e prévia da empresa, de boa-fé, que efetivamente passe o que é e o que não é de interesse daquela área, a imposição do sigilo pode representar o bloqueio ao acesso a essas informações”, comentou a promotora de Justiça Ana Tereza Salles Giacomini.
O advogado especialista em direito processual Dierle Nunes disse que também vê com estranhamento o pedido de sigilo e questiona o fato de a Vale estar condicionando as indenizações à uma transferência de posse dos terrenos para a empresa, ou seja, para receber a indenização, o atingido tem que abrir mão do terreno.
“Se esse terreno tem um potencial minerário dele que ao que parece está constatado e isso não foi informado durante a negociação claramente, não se sabe efetivamente o potencial econômico que esses terrenos vão gerar e talvez a transferência para a Vale permita a ela ter um ganho financeiro a posteriori que não foi explicado para as pessoas nem para a defensoria que auxiliou na negociação desse acordo coletivo, talvez possa lucrar com a tragédia, se há realmente a demonstração de que existe um potencial minerário em relação aos terrenos não há dúvida de que haveria esse potencial de lucro em relação a esses terrenos caso as pessoas aceitem a realização do acordo. Numa situação como essa, que envolve uma tragédia, não fica muito claro todos os aspectos da negociação em todos os pontos, com todas as repercussões, inclusive econômicas”, explicou Nunes.
Até o momento, 21 acordos foram homologados, segundo a Defensoria Pública de Minas. O MAB cobra uma solução imediata para a falta de informação.
“Muda as pessoas que estão numa área riquíssima e elas podem reivindicar como direito uma reparação muito maior do que está sendo oferecido pela empresa, porque essa é uma área de grande interesse econômico da empresa e as pessoas sabendo disso elas se empoderam e ela vão exigir a reparação justa, adequada sobre essa realidade. A Vale tenta fazer negócios, inclusive das tragédias, é o que está acontecendo em Brumadinho. A Vale está construindo um novo negócio em cima do crime que ela cometeu”, completou Joceli.
Em nota, a Vale informou que solicitou o sigilo para o conteúdo de todos os seus processos e relatórios, e não somente o desse caso. Segundo a empresa, o pedido foi motivado por uma questão de estratégia de negócio e essa solicitação está em análise pela ANM.
A Vale reafirma que não há reservas de minério significativas nas áreas atingidas pela lama, e que os acordos de indenização assinados com a Defensoria Pública têm o objetivo de dar uma solução rápida e justa para os danos individuais.
Neste domingo (25), a Polícia Civil informou que mais uma vítima da tragédia foi identificada. Agora, são 243 mortes confirmadas e 27 pessoas continuam desaparecidas.