MORTES SUSPEITAS ASCENDEM ALERTA SOBRE NÚMERO TOTAL DE VÍTIMAS - BRA
Principais notícias do Dia
Publicado em 27/03/2020

Gabriel Martinez tinha 26 anos. Músico e publicitário, ele morava no Rio de Janeiro (RJ). Segundo a família, não tinha problemas de saúde. No último sábado (21), morreu em um hospital particular.

Na certidão de óbito, consta que ele teve sepse pulmonar uma infecção no pulmão. Os sintomas e a surpresa com a morte do jovem levaram a família e médicos a desconfiarem da causa: uma possível infecção pelo novo coronavírus.

Uma semana depois da morte do músico, os testes feitos com base nos materiais colhidos dele ainda não ficaram prontos.

O caso de Gabriel não é único. Em hospitais e nas redes sociais, histórias de possíveis vítimas sem diagnóstico oficial pela escassez e a demora nos resultados dos testes põem em xeque as estatísticas de mortos pelo coronavírus no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, casos suspeitos não são contabilizados até que sejam confirmados por exames — que têm demorado mais de uma semana.

Sem respostas, a engenheira Maria Aparecida Martinez não fez o velório do filho. Antes da morte do rapaz, ela mal teve tempo para se despedir dele no hospital.

"Olhei para o meu filho por dois minutos pela última vez, porque implorei para a médica. Não queriam me deixar aproximar dele por causa da suspeita do vírus", diz à BBC News Brasil.

Ela relata que a incerteza sobre a causa da morte do filho tornou a perda ainda mais difícil. "É muito descaso e despreparo. Acredito que o meu filho realmente tenha morrido por causa do coronavírus. Mas é muito difícil para a família não ter essa confirmação", afirma à BBC News Brasil.

A coordenadora de operações Fernanda*, de 39 anos, viveu situação semelhante. A mãe dela morreu no último dia 16, também com suspeita de Covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus. Por dez dias, ela ficou à espera do resultado do exame. "Essa incerteza foi muito ruim", desabafa.

"Muitas contaminações ocorreram e ocorrerão por falta dessas informações", declara Fernanda. Ela acredita que muitas pessoas próximas a um paciente morto por suspeita do novo vírus podem ignorar o isolamento por não terem o resultado do exame.

A certidão de óbito da mãe de Fernanda cita que a idosa, de 63 anos, teve problemas respiratórios e chega a mencionar a suspeita de Covid-19. Mas a confirmação só veio mais de dez dias após o exame.

O Ministério da Saúde não divulga dados sobre óbitos suspeitos de terem sido causados pelo novo coronavírus, apenas os confirmados. Desta forma, os números reais podem ser muito maiores do que os oficiais.

Há 2,9 mil registros de pessoas infectadas no país e 77 mortes, segundo a pasta, até quinta-feira (26) os números oficiais, segundo especialistas, são menores do que a realidade, em razão do baixo número de testes disponíveis.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) orienta que os países façam testes em massa em casos suspeitos, para controlar a pandemia do Sars-Cov-2, como o vírus é chamado oficialmente. No Brasil, porém, os resultados demoram até duas semanas e muitos pacientes não são testados em razão da falta de exames.

Desde que começaram os registros de casos de transmissão comunitária quando não é possível identificar a origem do vírus no Brasil, há duas semanas, o Ministério da Saúde passou a orientar que sejam testados somente os pacientes graves ou profissionais de saúde que estão na linha de frente dos casos.

A pasta afirma que os testes serão ampliados em breve, pois adquiriu 22,9 milhões que serão distribuídos em todo o país.

'Ele não tinha problemas respiratórios'

Maria Aparecida relata que o filho passou a se sentir mal seis dias antes de morrer. Era um domingo quando ele começou a ter febre.

"Fizemos como os meios de comunicação e os médicos dizem. Mantivemos o controle dele em casa, cuidando como se fosse uma gripe", diz.

Ela conta que, desde os primeiros sintomas do filho, tentou procurar um local no qual ele pudesse fazer exames, no Rio de Janeiro. "Liguei insistentemente para todos os laboratórios. Queria pagar pelo exame particular, mas sequer me atendiam. Em nenhum lugar era possível fazer esses exames", diz a engenheira.

Os sintomas do jovem pioraram e a febre não cessou. Três dias depois do início do mal-estar, os pais levaram Gabriel para uma unidade de saúde particular na capital carioca.

"Ele foi medicado, saiu com antibióticos e disseram que se ele não melhorasse, deveria ir novamente ao hospital. Os médicos deram também um pedido de exame para o coronavírus, mas não tínhamos onde fazer, porque nenhum laboratório nos atendia", relata Aparecida.

No último sábado (21), Gabriel disse aos pais que não tinha forças para levantar da cama. Foi encaminhado ao hospital. Uma tomografia apontou que mais de 50% dos pulmões dele estavam comprometidos condição que costuma acontecer em casos de Covid-19.

"O meu filho era totalmente saudável. Nunca teve problemas respiratórios. Ele não era fumante, não tinha asma, diabetes, bronquite ou qualquer problema de saúde", diz Aparecida.

"De repente, ele teve esses problemas nos pulmões e os médicos disseram que poderia ser coronavírus. Não tá comprovado ainda, por falta do exame, mas não tenho dúvida de que era isso mesmo", diz a mãe do jovem.

Desde que retornou ao hospital, os médicos passaram a acompanhar Gabriel como se fosse um paciente com o novo coronavírus, por ser considerado um caso altamente suspeito. O protocolo para acompanhar pessoas com a Covid-19 inclui o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e isolamento.

Horas após dar entrada no hospital, Gabriel foi entubado e teve a primeira parada cardíaca. Só então, segundo a mãe, fizeram o teste de coronavírus nele.

"O médico me disse sobre a orientação do Ministério da Saúde, de que os testes devem ser feitos somente em pessoas em estado grave. Quando a pessoa chega ao estado terminal, aí eles se preocupam em fazer o teste, para depois virar estatística", diz Aparecida.

O médico disse à engenheira que o exame demoraria cerca de sete dias para ficar pronto, mesmo se tratando de um caso grave. Horas depois, Gabriel morreu. "Nem sei quando esse exame vai ficar pronto", lamenta a mãe do rapaz.

Os pais seguiram as orientações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para casos de mortes por coronavírus e cremaram o filho a medida é a mais recomendada, porém não é considerada pela entidade como obrigatória, pois os parentes também podem optar por enterro com caixão lacrado. A recomendação é a mesma para casos suspeitos ou confirmados.

A Anvisa recomenda que a cerimônia de despedida de um paciente com coronavírus deva reunir o menor número possível de pessoas, preferencialmente apenas os familiares mais próximos, para reduzir a possibilidade de contágio. Os participantes do funeral devem evitar apertos de mãos ou outros tipos de contatos e precisam seguir orientações de higiene como o uso de álcool em gel e lavar as mãos com água e sabão com frequência.

Mesmo sem saber se o filho estava com o novo coronavírus, os pais não fizeram nenhuma cerimônia de despedida para o jovem. "Eu e o meu marido liberamos o corpo dele no hospital. O caixão estava lacrado. Depois, o corpo foi levado para o crematório, onde pegamos as cinzas dele", relata Aparecida. Os amigos de Gabriel não conseguiram se despedir do jovem.

Na quarta-feira (25), os pais dele colocaram a urna com as cinzas do jovem em um cemitério da capital carioca. Ali, parentes e amigos poderão prestar homenagens ao rapaz. "Estamos em uma situação em que só podemos receber abraços virtuais ou ligações. Está sendo muito difícil não poder abraçar de verdade."

Agora, Aparecida convive com a saudade e a incerteza. "Dói muito olhar pra cama dele e ver que ele não vai estar lá, ou não ouvir mais o barulho da chave dele abrindo a porta de casa. Está sendo muito difícil."

Sem respostas sobre o exame do filho, ela, o marido, o outro filho e a nora estão em isolamento.

"Não estamos saindo de casa, à espera por respostas. Estou indignada com o modo com que as autoridades estão tratando o coronavírus, achando que é um 'resfriadinho'", afirma.

Comentários