Da mesma maneira que o Imposto sobre Transações (cuja referência é a velha CPMF) não morreu, o Renda Brasil também não foi enterrado ontem pelo presidente Jair Bolsonaro. Ambos entraram em estado de hibernação por um tempo que será determinado pela política.
Há um princípio no governo, instituído após o acordo com o Centrão, de que é a decisão política que determina se alguma medida vai adiante ou se ela está descartada. Talvez esse princípio não tenha sido bem compreendido por assessores do Ministério da Economia. “Ao burocrata cabe fazer os estudos com base na determinação das lideranças políticas em acordo prévio com Bolsonaro”, disse uma fonte oficial. O ministro da Economia, Paulo Guedes, faz parte desse “conselho” político, segundo explicou.
É muito difícil imaginar que o governo chegará no fim do ano sem nada a oferecer aos que hoje recebem o auxílio emergencial. Isso no pressuposto de que são milhões de brasileiros que não vão encontrar emprego até lá. Com o nome de Renda Brasil ou Bolsa Família ampliada ou ainda uma terceira hipótese, o certo é que algo entrará no lugar do auxílio emergencial de R$ 300, que termina em dezembro.
Para refrescar a memória, o Imposto sobre Transações foi defendido por Marcos Cintra, então Secretário da Receita.
Cintra concedeu entrevista e defendeu abertamente a criação do novo tributo poucas horas depois de ser aconselhado por Guedes, a pedido do presidente Bolsonaro, a não falar sobre o assunto. O presidente entrava em uma cirurgia no dia em que a entrevista saiu publicada. Ele havia pedido a Guedes para não ser surpreendido com notícias de um novo imposto quando deixasse a sala de cirurgia, tal como havia acontecido em outro momento de internação hospitalar. O secretário foi sumariamente demitido, mas o tema do novo imposto continua vivo.
Dos três “D” - desindexar, desvincular e desobrigar - preconizados pelo governo na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Pacto Federativo, a desindexação representaria, quando e se aprovada, a conclusão do Plano Real.
Após 25 anos da Medida Provisória 1.053 - editada um ano depois do Plano Real para desindexar a economia, o vírus da indexação - que transporta para o futuro a inflação passada - permanece vivo.
Cerca de 30% da variação do IPCA de hoje ainda sofre alguma influência de aumentos de preços de ontem. A MP, editada em julho de 1995, proibiu o uso da correção monetária e de índices de reajustes de preços em todos os contratos de até um ano e estabeleceu a livre negociação para os salários.
Em 2011, no início do governo de Dilma Rousseff, houve uma tentativa de técnicos do governo de avançar nesse assunto de forma abrangente. Havia, ali, uma agenda ousada de desindexação da economia que ia além de contratos atrelados a índices de preços, chegando aos investimentos atrelados ao DI, cadernetas de poupança e outros,
mostrando que o mapa de indexação do país era bem mais extenso do que se imaginava. Não vingou.
Os governos, ao que parece, se desobrigaram da tarefa de desmontar os mecanismos subsistentes de correção de preços baseado nos índices passados. O momento em que a inflação está baixa e sob controle, como agora, seria o mais adequado para avançar no combate à inércia inflacionária que se arrasta em função dos mecanismos de indexação.
Cerca de 70% do orçamento da União é indexado à variação do salário mínimo ou a índices de preços. Isso corresponderia a algo próximo a R$ 75 bilhões quando a inflação considerada convergia para a meta de 4,25%. Mas hoje, com a inflação abaixo do piso da meta, essa despesa representa menos da metade do valor estimado.
A desvinculação e a desobrigação têm impacto modesto sobre o gasto público. A essência dessa medida é mais para dar eficiência à alocação dos recursos orçamentários do que para economizar. Há despesas que terão que acontecer mesmo sem estarem legalmente vinculadas à receitas pré-determinadas.
Os salários, quando da superinflação, eram indexados mensalmente. Hoje prevalece a livre negociação. Os benefícios previdenciários não precisam estar indexados ao salário mínimo.
Devem, sim, ter alguma correção anual com base em índice de preços para manter o seu poder de compra. Caso contrário, ao ser atrelado a variação do mínimo, a tendência dos governos é de não conceder aumento real no valor do piso salarial para não comprometer mais as contas da Previdência.