Moradores das comunidades Bento Rodrigues e Paracatu, em Mariana, na região Central de Minas, atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, ainda aguardam o processo de reassentamento, cinco anos depois da tragédia. Algumas das residências foram varridas pelo mar de lama naquele 5 de novembro de 2015, e o que era lar virou terra inabitável.
A avaliação do promotor de Justiça Guilherme de Sá Meneghin, da Comarca de Mariana, é de que os reassentamentos de Bento Rodrigues e Paracatu ainda não estão prontos por “erros, má-fé e ineficiência da Fundação Renova”, entidade criada para gerir os danos causados pelo desastre em acordo que envolveu os governos federal e estaduais de Minas e Espirito Santo, a Samarco e as acionistas Vale e anglo-australiana BHP Billiton.
“Eles não se comprometeram com prazo. Começam uma sucessão de mentiras. Representantes da Renova disseram que entregariam as casas em março de 2019, e depois falaram primeiro semestre de 2019. Isso está registrado. Só que jamais se comprometeram judicialmente, sob pena de sanção, a aceitar esse prazo”, diz Meneghin.
Conforme o promotor, o Ministério Público entrou com uma ação em que foi requerido que o poder Judiciário fixasse data final para entrega das casas. O prazo estabelecido — e não cumprido foi agosto de 2020, sob pena de R$ 1 milhão por dia de atraso. A Renova recorreu, apontando como motivo a pandemia de covid-19, e foi estabelecido nova data: fevereiro de 2021.
A reportagem conversou com atingidos. Entre eles, Marlene Agostinho, de 48 anos, viu a família ser retirada às pressas do sítio que possuía na comunidade chamada Pedras, perto de Bento Rodrigues. Integrante da comissão da zona rural dos atingidos, que envolve as comunidades também atingidas parcialmente, ela conta que sua vida mudou completamente.
Recebeu a mãe, de 79 anos, na própria casa, enquanto a senhora aguardava a reforma do novo lar, em Mariana, e viu o casamento sucumbir diante de uma vida que passou a ter um único propósito: “Hoje minha função é ficar atrás da Renova cobrando pelas coisas erradas que ela fez”, diz.
Mauro Marcos da Silva, comerciante, 51 anos, é vice-presidente da associação de moradores de Bento Rodrigues e membro da Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão. Ele conta que entre os atingidos a Renova é vista como advogada das mineradoras e que a credibilidade da Fundação, com eles, já chegou ao fundo do poço.
“A gente ainda não sabe por que de tanta prorrogação, de tanto adiamento de prazo, visto que o recurso financeiro e a capacidade técnica é superior a qualquer outro local do mundo. A Fundação Renova hoje tem os melhores profissionais, tem bilhões disponíveis para se gastar e não consegue fazer um reassentamento”.
Luzia Nazaré Mota Queiroz, 58 anos, é membro da Comissão de Atingidos pela Barragem do Fundão e representante da comunidade de Paracatu de Baixo. Ela já tem dificuldade de convencer o marido a voltar e teme que no fim das contas restem só promessas.
“Meu marido não quer voltar. E a gente não acredita que em 2021, nem em 2022 vamos estar. E ele falou que se arrastar mais a gente não vai para o reassentamento. Isso é se tiver reassentamento. Esse povo está enrolando, e a gente vai virar gato e sapato nas mãos deles”, diz.
Ex-morador de Bento Rodrigues, o pedreiro e agricultor Expedito Lucas da Silva, conhecido como Caé, carrega o olhar distante. Como se tentasse reviver as boas lembranças por temer que o tempo os afaste cada dia mais da felicidade.
“Os processos das empresas de querer enrolar e não fazer rápido. Para mim, a gente vai perdendo os vínculos comunitários, muitos perdem a vontade de voltar. E às vezes têm em mente que aquilo vira um bairro muito distante da gente”, diz.
Atraso por causa da pandemia
Apontar a pandemia de covid-19 como motivo para atraso nas obras é duramente criticado pelo Ministério Público. “Já era para estar essas casas entregues antes mesmo da pandemia. A alegação é mentirosa e também desconsidera que todas as normativas estaduais e nacionais ressalvaram as atividades de engenharia civil, obras, etc, como medidas essenciais e que não poderiam paralisar. Eles usam de tudo que é possível e do impossível para prejudicar os atingidos”, diz Guilherme Meneghin.
Prefeito de Mariana, Duarte Junior também questiona. “O principal motivo do atraso é sim uma responsabilidade da Fundação Renova. Após cinco anos, por mais que a Fundação tenha sido constituída no final de 2016, a gente tem esse sentimento que tudo pode ser discutido, mas muito pouco foi entregue”.
Mauro da Silva vai além e desabafa: “Hoje se você perguntar para a Fundação Renova uma data precisa para a entrega do reassentamento, eu garanto que ela não tem. A Renova já não tem mais credibilidade perante aos atingidos”.
O que diz a Renova
Elaborado com a participação ativa dos futuros moradores, o projeto dos reassentamentos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana (MG), envolve a construção de cidades inteiras e ganha forma nas primeiras casas sendo concluídas, nas ruas pavimentadas, bens coletivos em etapa final, vias iluminadas e obras de infraestrutura avançadas.
As obras chegaram a ser suspensas em dois momentos, devido a` pandemia, mas foram retomadas em 15 de junho, após autorização da Prefeitura de Mariana, de forma gradual e com todas as medidas de segurança.
A questão do prazo está sendo tratada no âmbito de uma Ação Civil Pública, tendo sido o juízo devidamente informado sobre os impactos da Covid-19 no andamento das obras desses reassentamentos.