Em meio a um surto de doenças como dengue e malária na região, cerca de 15 mil pessoas e mais de três mil residências foram atingidas por uma cheia histórica no município amazonense de Eirunepé. Há mais de uma semana, moradores improvisam para dormir, comer e transitar em suas casas inundadas em cinco dos sete bairros da cidade. Tudo isso enquanto o país enfrenta a pior fase da pandemia, com o estado em lockdown desde 25 de janeiro.
A prefeitura decretou estado de emergência no último dia 23 após o rio Juruá alcançar aproximadamente 16,5 metros na véspera. De lá para cá, o nível fluvial chegou aos atuais 17,17 metros, o que resultou na pior cheia registrada na cidade desde 1986, até então considerada a maior enchente do município. A previsão é de que a água suba ainda até 20 centímentos.
Segundo o prefeito Raylan Barroso (DEM), Eirunepé tem estrutura para lidar com o rio em 16,9 metros, quando residências da zona rural e mais próximas à margem já são afetadas. A partir daí, a cada seis a sete centímetros a mais estima-se que ao menos 300 casas são alagadas.
"As casas estão todas inundadas, com o assoalho encoberto. As pessoas precisam levantar com tábuas e vigas para que possam transitar dentro de suas residências. As pessoas precisam de comida, colchão, roupas, porque perderam praticamente tudo", disse. "Elas não têm onde dormir, então dormem em tábuas e acordam à noite com a água subindo. É uma situação caótica. Só vendo de perto mesmo para ter noção da carência e do sofrimento. Estão com cortes nos pés por ficarem molhados, sem poder fazer uma comida, pois não tem como usar o fogão", acrescentou.
Ao mesmo tempo em que quase metade dos seus mais de 35 mil habitantes convive com a água em seus lares, o município observa uma escalada de casos de doenças. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, foram contabilizadas 22 pessoas com dengue nos primeiros 20 dias do ano. Desde então, até o último dia 4, foram reportados 68 casos. E ainda existe um temor de que a enchente provoque enfermidades como leptospirose, hepatite e febre tifoide.
Embora Eirunepé não viva seu pior momento da pandemia, somente na última semana foram registrados mais de 50 infectados. Ao todo, são quase 3,5 mil contaminados e 20 óbitos em decorrência da Covid-19 na cidade. Com pessoas sendo abrigadas em escolas e em casa de parentes que não foram afetados, o índice pode voltar a subir.
"Isso nos preocupa muito nesse momento da pandemia. Já tivemos uma fase pior, e agora deu uma estabiizada. Estamos também com um surto de dengue e uma quantidade de pessoas com malária, além de outras doenças que a enchente vai trazer, como hepatite, febre tifoide, leptospirose", disse o prefeito. "Fora isso, a cheia trouxe bichos peçonhentos e peixes elétricos, que são perigosos".
Eirunepé é sede do Hospital Regional Vinícius Conrado, que atende a microregião de Juruá composta por sete municípios. A unidade conta com 60 leitos, sendo 22 deles destinados a Covid-19. De acordo com a prefeitura, apenas seis deles estão ocupados hoje. No entanto, o hospital não dispõe de UTI, o que leva pacientes a serem transferidos. Apenas na última semana, cinco pessoas foram levadas de avião à capital Manaus, a cerca de 1.160 km. Como não há estradas ligando as cidades, só é possível o transporte aéreo ou fluvial, que às vezes dura semanas.
Com bairros inundados e sem iluminação, já que caixas de luz foram cobertas pela água, o governo municipal instalou uma Unidade Básica de Saúde (UBS) fluvial para vacinação e atendimento. A cidade ainda recebeu recentemente uma usina geradora de oxigênio, doada pelo hospital Sírio Libanês, com capacidade para produzir 27 metros cúbicos por hora, o equivalente três cilindros grandes.
Na economia, a prefeitura também prevê um prejuízo incalculável. Isso porque a agricultura é uma das principais atividades da região, cujas plantações foram devastadas. Eirunepé é conhecida por ser um dos maiores produtores de farinha branca do Amazonas, além de se destacar pela criação de porcos.
"Temos uma capacidade produtiva de cerca de 5 mil toneladas, e mais de 50% da produção do pessoal foi perdida devido à enchente ter sido muito rápida. A produção é manual, não é mecanizada. Não tem como arrancar a mandioca e fazer a farinha em tempo recorde", explicou Barroso.
Diante de tamanhos estragos, nem mesmo a piracema, período de reprodução dos peixes, tem sido comemorada. Com as necessidades batendo à porta, a prefeitura lançou a campanha SOS Eirunepé Enchente 2021, em que pede doações que vão de cestas básicas a madeira. Equipes da administração e voluntários têm percorrido as casas de barco levando alimentos e gás de cozinha, arcados com verba do município. Segundo Barroso, até o momento não houve ajuda dos governos estadual e nacional.
Questionado, o governo do Amazonas afirmou que já iniciou ações em Eirunepé por meio da Defesa Civil e que prestou orientações sobre o processo para declaração de situação de emergência e calamidade pública. Disse ainda que começou a colocar em prática um planejamento de ajuda humanitária feito para 19 municípios das calhas dos rios Juruá e Purus, que abrangem aproximadamente 130 mil pessoas.CHEI