COVID - 19 ACENTUA CRISE DO SETOR DE HEMODIÁLISE E 140 MIL BRASILEIROS JÁ CORREM RISCO SEM TRATAMENTO - BRA
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Publicado em 21/03/2021

Em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, o sistema de saúde municipal entrou em colapso no começo desta semana: com os leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do município lotados por causa da pandemia, 12 pacientes morreram à espera de uma vaga na rede estadual. Desses, segundo informou a Secretaria de Saúde do município à BBC News Brasil, cinco precisavam de hemodiálise por causa de sobrecarga renal causada pela covid-19, mas todos morreram sem atendimento.

As mortes de Taboão da Serra são o prenúncio de um segundo colapso de saúde que o Brasil pode viver em breve, causado pela falta de hemodiálise, que hoje fornece suporte à vida a 140 mil brasileiros.

É o que a reportagem ouviu após consultar mais de 70 gestores de pequenas e médias clínicas de hemodiálise espalhadas por todo o país.

'À BEIRA DO COLAPSO'

A pernambucana Gabriella Moreira acaba de dar à luz sua primeira filha. A jovem de 26 anos está viva por causa de três sessões de hemodiálise na semana, já que convive, desde o nascimento, com rins policísticos e perdeu completamente a função renal aos 10 anos.

Sua mãe lhe doou um rim que durou apenas cinco anos.

Aos 15, Gabriella fez hemodiálise pela primeira vez, até receber um segundo transplante, dessa vez de um doador falecido. Mas o rim parou de funcionar um ano e meio depois, quando a moça tinha apenas 18 anos.

Desde então, Gabriella faz pelo menos três sessões de hemodiálise na semana numa clínica a 10 minutos de carro da sua casa, em Vitória do Santo Antão, em Pernambuco.

Nesses oito anos de tratamento, fez faculdade, formou-se nutricionista, casou e engravidou.

"Minha filha é um milagre porque é mais difícil para uma paciente renal crônica engravidar. Tudo que eu consegui conquistar de bom na minha vida eu devo à hemodiálise, sem ela eu não teria sobrevivido", diz ela à BBC News Brasil.

Gabriella é usuária do SUS e faz as sessões de diálise na Clínica do Rim de Vitória de Santo Antão.

Trata-se de uma unidade privada, mas que depende totalmente dos recursos que recebe do sistema público. Durante a gravidez, Gabriella fez seis sessões de diálise na semana, de segunda a sábado, 24 sessões no mês. Mas o SUS só pagou por 18 dessas sessões.

"O restante somos nós que bancamos", conta a nefrologista Suzana Morais de Oliveira Melo, gestora da clínica. "Temos levado muitos prejuízos, mas sabemos que se não dialisarmos o paciente pode morrer", lamenta.

A clínica onde Gabriella faz diálise está endividada e corre o risco de fechar ainda em 2021. Se isso acontecer, Gabriella e outros 329 pacientes de seis municípios ficarão sem o atendimento e terão que ser transferidos pela Secretaria de Saúde local para unidades mais distantes, e 82 funcionários serão demitidos.

A unidade de seis sócios atende no local há 20 anos, com todos os pacientes vindos do SUS.

A gestora da clínica conta que os prejuízos vêm se acumulando mês após mês: "Nosso equilíbrio financeiro já era apertado por causa da falta de reajuste da tabela do SUS há mais de quatro anos. A situação se agravou demais na pandemia, com a subida astronômicas dos (preços dos) insumos e os custos de equipamentos novos de proteção e afastamentos de funcionários. Hoje, meus custos mensais são de R$ 930 mil, e minhas entradas são de R$ 860 mil".

A gestão tem usado empréstimos para honrar a folha de pagamento e feito todos os cortes possíveis: três médicos já foram demitidos. Exames complementares oferecidos aos pacientes, como raio-x e ultrassonografia, foram cortados.

O almoço, essencial para a recuperação no meio das sessões cansativas de diálise, foi substituído por um lanche. A clínica também deixou de investir em novos equipamentos de diálise, que ficam obsoletos em 10 anos.

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