APÓS CONFLITO COM 244 MORTOS, HAMAS TENDE A SER FORTALECIDO E SRAEL " FRUSTRADO " DIZEM ANALISTAS
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Publicado em 22/05/2021

Depois de 11 dias e 244 mortos, o conflito entre Israel e o Hamas chegou ao fim com consequências dúbias para a segurança e o futuro social e político de Israel, acreditam analistas. O confronto transbordou para as ruas de cidades israelenses, jogando uma sombra sobre a relação entre árabes e judeus no país, ao mesmo tempo em que não há perspectivas para a retomada das negociações de paz com os palestinos. O Hamas pode ter se fortalecido com o processo.

Além disso, Israel ainda pode enfrentar uma quinta eleição em pouco mais de dois anos, já que o conflito tornou ainda mais difícil a formação de um governo alternativo ao do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

Apesar de Netanyahu ter dito que a operação em Gaza foi um “êxito operacional”, a avaliação de Ran Kuttner, professor do Programa de Paz e Gestão do Conflito da Universidade de Haifa, é que o próximo conflito com o Hamas será ainda mais letal.

As armas se tornarão mais sofisticadas, as bombas mais letais, diz Kuttner. O Hezbollah, no Norte, que é mais forte do que o Hamas e recebe seu poder do Irã, tem muito mais armas, e o medo é, que se tivermos alguma guerra com eles, infelizmente teremos ataques ainda piores em termos das armas que têm.

Kuttner afirma que, enquanto o partido de Netanyahu, o Likud, estiver no poder, não haverá movimento em direção à paz. Na última tentativa, o governo de Donald Trump apresentou um projeto inviável para os palestinos. Ainda assim, ele não acredita que a população esteja disposta a mudar de estratégia.

 Infelizmente, o voto popular em Israel vai num caminho que o que se conclui é que há mais suspeitas e desconfianças, menos esperança em resolver a questão com os palestinos.

O confronto contaminou as relações sociais dentro de Israel. Enfrentamentos entre árabes cidadãos de Israel e judeus deixaram mortos, carros queimados e feridos em cidades como Lod, Haifa e Jaffa. Muitos dos árabes em Israel sentem que devem dar apoio aos “irmãos palestinos”, lembra Kuttner.

Iniciativas do governo nos últimos anos, como a expulsão de famílias palestinas de Jerusalém, provocações na Mesquita de Al-Aqsa e a Lei da Nacionalidade, que estabelece que só os judeus têm direito à autodeterminação em Israel,  promovem fraturas na sociedade.

Israel enfrenta também dilema para ser ao mesmo tempo um Estado judeu e democrático. O professor avalia que há dois caminhos após o caos social dos últimos dias: reforçar a ideia de que é preciso garantir que Israel seja Estado judeu, a partir da noção de que não é possível haver confiança entre árabes e judeus, ou fortalecer a democracia, para que os árabes-israelenses não se sintam como “cidadãos de segunda classe”.

Minha esperança é que, nos próximos meses, as forças que estão falando de coexistência tragam novas iniciativas para ajudar judeus e árabes a se reconciliar — disse Kuttner.

O governo segue caminhos contraditórios, acredita o professor Hillel Cohen, da Universidade Hebraica de Jerusalém. Ao mesmo tempo em que investe na infraestrutura em cidades árabes, coloca a condição de que esses cidadãos se considerem israelenses, não palestinos, o que os empurra para uma crise identitária. Ainda assim, Cohen também não aposta em uma “guerra civil” termo usado pelo presidente israelense, Reuven Rivlin, para se referir aos confrontos nas ruas do país.

Israel nem havia solucionado a equação das últimas eleições, para saber quem iria governar o país, quando o conflito explodiu. Agora, as incertezas são ainda maiores. O professor de Ciência Política da Universidade Bar Ilan Ariel Zellman, acredita que o cenário mudou e figuras centrais para uma futura coalizão, como o deputado Mansour Abbas, da Lista Árabe Unida, podem ter perdido credibilidade.

Abbas estava disposto a integrar um Gabinete, no que seria a primeira vez que um partido árabe integraria um governo de Israel. Mas sua atitude conciliadora durante os protestos de árabes-israelenses pode ter tido efeitos em sua base. Um dos reflexos disso é que ele não foi chamado à mesa para a convocação da greve árabe em Israel, argumenta Zellman.

A oposição ao partido de Abbas se juntar ao governo também é maior do que era antes – argumenta professor, referindo-se à oposição de parlamentares da extrema direita. — É muito provável que comecemos outro ciclo eleitoral.

Outro efeito inesperado do conflito é o fortalecimento do Hamas. Uma das razões que desencadeou os atuais protestos, além dos despejos no bairro de Sheik Jarrah e a ação da polícia na Mesquita de Al-Aqsa, foi o cancelamento das eleições legislativas palestinas, que seriam as primeiras desde 2006.

A possibilidade de o Hamas ganhar as eleições foi um dos motivos que levaram o líder da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, a cancelá-las, acredita Zellman. Ele afirma também que o Hamas enfrentava problemas na gestão da pandemia da Covid-19 na Faixa de Gaza. O conflito externo o fortaleceu.

O Hamas sofre quando tem que lidar com os problemas das pessoas, e tende a ganhar mais legitimidade quando é visto como o campeão da resistência, lutando contra Israel. Com o que aconteceu em Jerusalém, achou que era uma ótima oportunidade para se posicionar de novo dessa forma.

O professor acredita que, apesar de o status quo de Jerusalém não ter mudado, o Hamas tinha como objetivo ganhar controle da narrativa e garantir seu poder interno frente a, além do Fatah de Mahmoud Abbas na Cisjordânia, outros grupos que atuam em Gaza, como a Jihad Islâmica.

O Hamas vai sair disso parecendo mais forte, porque eles se posicionam como protetores da causa de Jerusalém, e, apesar de não terem feito nada para a defender, certamente fizeram seus oponentes parecerem fracos.

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