Um casal, dono da Construtora Luxus, é investigado pela Polícia Civil por suspeita de ter abandonado obras de vários compradores de Minas Gerais. Clientes que tiveram o sonho da casa própria transformado em pesadelo procuraram a Itatiaia para denunciar a situação que, de acordo com eles, já gerou prejuízo de cerca de R$ 1 milhão.
A empresa nega que tenha aplicado golpe e cita dificuldade em razão da pandemia de Covid-19 (veja reposta abaixo). No entanto, a reportagem identificou processos contra a empresa de clientes de Belo Horizonte, Esmeraldas, Betim, Ouro Preto, Sabará, Brumadinho, Formiga e outras cidades. A Polícia Civil confirmou que instaurou inquérito para "apurar possível crime de estelionato praticado pela mulher, de 30 anos, e pelo homem, de 40 anos".
De acordo com os clientes, a Construtora Casas Luxus pede pagamento integral ou entrada no ato da assinatura do contrato, divide o restante em parcelas, inicia a obra, solicita valores adicionais e abandona a construção após o pagamento do valor financiado. A reportagem encontrou pelos menos sete ações contra a construtora e um dos proprietários.
Prejuízo de R$ 120 mil
A funcionária pública Elza Ferreira de Oliveira, 56 anos, conta ter fechado contrato com a Luxus em outubro de 2021, quando a sede estava localizada em Betim, na Grande BH. “Após verificar sobre a empresa e fazer consultas, fechei negócio e paguei R$ 56 mil no ato da assinatura do contrato, com o restante dividido em cinco parcelas de R$ 9.333”, disse Elza à Itatiaia. Ela diz que o termo foi assinado sete meses antes de o marido dela morrer vítima da Covi-19 e que a casa de madeira no condomínio Águas Nascentes, em Esmeraldas, era o sonho dos dois.
A cliente explica que deixou o terreno pronto, a obra foi iniciada e a Luxus deu prazo de 150 dias úteis para a conclusão. No entanto, os problemas começaram. “O tempo foi passando, a obra não tinha sequência, eles tinham somente uma equipe com três pessoas e essa equipe era responsável por todas as outras obras. Fui cobrando, cobrando e, quando chegou em abril, eles receberam a última parcela, e não tinham feito nada, a não ser o alicerce e as paredes do banheiro e da cozinha, pela metade ainda”, disse Elza. A partir de então, ela começou a ter dificuldade de contato com o representante da empresa.
“Ele falou que estava com problemas, que precisava de um reajuste, porque as coisas tinham aumentado. Não concordei. Depois, vi que ele estava com vários processos em outras cidades. Não consegui falar mais com ele e fiquei no prejuízo de R$ 112 mil”, conta.
Elza e outros clientes dizem que a construtora muda de endereço frequentemente, com o objetivo de continuar vendendo casas e de não ser encontrada pela Justiça. “Eles estão localizados atualmente no bairro Céu Azul. É a última informação que eu tive, mas hoje eles só atendem com hora marcada. A pessoa manda uma mensagem no Whatsapp e eles marcam um horário para aplicar mais um golpe. Nesse 1 ano e 5 meses que fechei o negócio, eles já mudaram de endereços três vezes”, alerta.
Sem conclusão
O sonho de ter uma casa de madeira na Serra do Cipó, região Central de Minas, só não acabou porque uma supervisora de produção gráfica, que prefere não se identificar, terminou a obra por conta própria. O relato dela é o semelhante ao de Elza.
“Em 2021, fizemos uma compra de uma casa de madeira de 53 metros quadrados com a Construtora Luxus, com entrega em seis meses e pagamento de cinco parcelas. Mas a casa não foi entregue”, disse a supervisora, que conta ter conseguido se reunir com a construtora após várias tentativas. Nessa altura, de acordo com ela, a sede da Luxus tinha mudado de Betim para o bairro Santa Amélia, região da Pampulha de Belo Horizonte.
A supervisora conta que a obra foi iniciada, parte das madeiras foram entregues, mas a construção foi abandonada pela empresa. Com muita dificuldade, ela conseguiu marcar uma reunião, mas não houve acordo em razão das exigências feitas pela construtora.
“Eles queriam que a gente terminasse a casa, alegando reajuste de mão de obra e material. Porém, propus pagar a mão de obra e o material, mas a Luxus não quis. No final, aceitei pagar até as telhas e o material elétrico, mas eles queriam que eu terminasse tudo e assinasse um acordo isentando eles de todos os problemas. Falei que eu até assinaria se eles tivessem assumido alguma parte, mas nada foi viável para eles”, relata.
Diante do impasse, ela decidiu finalizar a obra e entrar na Justiça contra a empresa. "Gastei R$ 45 mil para terminar a minha casa. E ainda não ficou o que era para ser, porque a gente não tinha noção de como seria o acabamento. Então, fomos tocando o barco da forma que deu”, disse, que alerta: “Eles continuam vendendo, porque tivemos notícia de que ele vendeu uma casa”.
Ativa
Consulta feita pela reportagem mostra que a Luxus Casas de Madeira foi aberta no dia 18 de maio de 2020, com capital social de R$ 50 mil, e continua ativa. Ela está em nome de uma mulher que seria esposa do responsável pela administração das obras.
Polícia Civil
A Polícia Civil informou à Itatiaia que tem um registro de desacordo comercial envolvendo a Construtora de Casas Luxus, na cidade de Esmeraldas. Já com relações ao casal dono da empresa, foi instaurado inquérito policial para apurar possível crime de estelionato. “A investigação encontra-se em andamento com a realização de oitivas e diligências necessárias à elucidação dos fatos”, diz trecho da nota.
“A PCMG esclarece que o crime de estelionato é de ação penal pública condicionada à representação das vítimas, que devem comparecer à delegacia mais próxima de sua residência para propor a devida representação criminal, conforme previsão legal. Nesses casos, é importante que a vítima também reúna e apresente todos os possíveis elementos de prova, como documentos, mensagens via aplicativo e/ou e-mail, para colaborar com o trabalho investigativo”, conclui.
Pandemia
Em mensagem, a proprietária da Luxus garante não ter abandonado a obra e diz ter acordo extrajudicial com os clientes. “Alguns poucos, inclusive, aceitaram e outros (a maioria) não aceitaram. A situação diante da pandemia ficou muito, muito difícil. Muitas empresas fecharam suas portas e nós tentamos de todas as maneiras permanecer. A empresa perdeu lucro nas obras, passou até mesmo investir o que pode, até que chegou um momento que não deu mais. Estamos realmente numa situação muito difícil financeiramente, mas, de maneira nenhuma abandonamos ninguém, simplesmente algumas exceções de clientes que não quiseram acordo, não quiseram entender a situação da empresa”, disse trecho da resposta.
“Pedimos desculpas aos clientes, mas também pedimos empatia, vamos ajustar tudo se Deus quiser!”, completo.
Na resposta, a Luxus destaca ainda ter direitos, assim como clientes. “Não somos golpistas, nosso endereço, telefone e rede social o tempo todo estavam disponíveis para que pudessem nos procurar, mas entraram na Justiça e ainda querem manchar nossa imagem, e nós sabemos os nossos direitos quanto a isso. Isso vale também pra todo que difamarem o nome da nossa empresa e nos acusarem de algo que não cometemos”, diz outro trecho.
A reportagem tentou ligar no telefone disponível no site da empresa, mas ninguém atendeu. Nos processos que a Itatiaia teve acesso, oficiais de Justiça não conseguiram localizar os donos para entregar as notificações judiciais.