UMA MORTE A CADA 2 KM É REGISTRADO EM TRECHO NA 040 EM 2023
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Publicado em 04/12/2023

Um trecho de 54 km da BR-040, entre o condomínio Alphaville, em Nova Lima, na Grande BH, e Congonhas, região Central de Minas, registrou 27 mortes em acidentes de dezembro de 2022 até agora. O dado faz parte uma uma prévia de um relatório feito pelo engenheiro civil Hérzio Mansur, integrante de um grupo de trabalho de segurança no trânsito do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea).

O documento, que está em fase final de elaboração, escancara a necessidade urgente de melhorias na infraestrutura da rodovia, sobrecarregada pelo elevado número de carretas que transportam minério. Enquanto isso, uma estrada que pertence à mineradora Vale, construída para retirar carretas de Minério da BR-040, está inativa por decisão da Justiça desde 2015.

Relatório

O primeiro relatório sobre tragédias nesse trecho de 54 km foi concluído no fim do ano passado e encaminhado a diversas autoridades, como Ministério Público e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). Elaborado a partir de dados da concessionária Via-040 e da Polícia Rodoviária Federal (PRF), o estudo apontou quase uma morte por km em dois anos (de dezembro de 2020 a dezembro de 2022) no trecho. As carretas estão envolvidas em 50% desses acidentes.

Dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) apontam 2,8 mil acidentes no trecho de Minas Gerais da BR-040, média superior a 250 por mês.

“Os números comprovam que não se trata de acidentes. São tragédias previstas. Estudo feito de dezembro de 2020 a dezembro de 2022 mostra que nos 54 km, entre o início da pista simples até Congonhas, são 53 mortes. Quase uma morte por quilômetro. Dois anos, 54km, 53 mortes. E agora, entre dezembro de 22 e novembro de 2023, ainda não fechou o ciclo de um ano, nós já temos contabilizados 27 mortes no leito da rodovia. Ou seja, 27 mortes em um ano. Então, os números comprovam que esse número de 27 mortes é o número que nos aterroriza ano a ano”, diz Mansur, que questiona ainda:

“E quando trazem que os investimentos vão ocorrer só após uma nova licitação, daqui cinco seis anos, a pergunta que fica quem vai pagar essas 159 mortes que ocorrerão aqui nesse trecho, sangue que será derramado, famílias que serão destruídas, projetos que serão enterrados por uma falta de visão e por uma falta de opção por aplicar aqui a melhor engenharia. Não tem que inventar nada é aplicar a nova a boa engenharia com recursos que estão disponíveis", completa.

Alternativas

Enquanto a tão sonhada duplicação da BR-040 e outras medidas de infraestrutura, como a criação de canteiros centrais e acostamento, não saem do papel, o que pode ser feito para diminuir a passagens de carretas com minério no trecho?

Prefeitos de municípios mineradores se articulam para que o Ministério Público participe de uma mediação junto às mineradoras. Esse projeto prevê investimentos de R$ 500 milhões.

Para o engenheiro Hérzio Mansur, estradas que já existem, como a Pico Fábrica e a ITA-330, em Itabirito, podem ser alternativas. Uma opção é que parte das carretas, que atualmente passam pela BR-040, sigam para a Estrada Pico de Fábrica até a ITA-330, onde seria implantado um terminal rodoviário com capacidade de escoar toneladas de minério. A reportagem da Itatiaia percorreu a região, com a ajuda de um drone, para mostrar a situação do trecho atualmente.

Pico de Fábrica

A estrada Pico de Fábrica está pronta, mas não é usada desde 2015, quando uma decisão da Justiça - impediu o uso da via. A estrada tem cerca de 24 km, começa em Itabirito, na mina do Pico, passa pela mina de Sapecado, chega à crista da serra das Serrinhas e continua por cerca de 11 km até o ribeirão Mata Porcos. Conforme autorização ambiental dada em 2011, a rodovia, para uso exclusivo no transporte de produtos minerais, tinha capacidade para retirar, na época, mais de 800 caminhões de minério da BR–040 por dia.

A decisão, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Minas Gerais, atendeu a um pedido do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que apontou descumprimento de alguns requisitos para minimizar os danos ambientais, como questões ligadas ao modelo de drenagem pluvial adotado na construção.

“Pico Fábrica é uma estrada interna da Vale que tem um longo percurso que tira essas carretas da BR-040. Paralelo a isso, há outras vias e pelo menos duas rodovias municipais de Itabirito, município que abriga quase todas essas opções, que podem desafogar esse fluxo de carretas na BR-040", aponta o engenheiro, que mora em Belo Horizonte e trabalha em Congonhas.

Limite de velocidade

Líder comunitário e ex-vereador de Congonhas, Wiliton Luiz dos Reis, 40 anos, conhecido como Leleco, conhece bem as rotas alternativas que podem tirar ao menos parte das carretas da BR-040. No entanto, destaca que o caminho pela rodovia federal é mais lucrativo.

“As empresas mineradoras, totalmente irresponsáveis, pagam os motoristas para trabalhar por produção. Então, eles tendem a acelerar mais, andar mais”, diz Leleco. De fato, a velocidade máxima permitida na Pico Fábrica é estipulada em 60km/h. “Ela não só diminuiria o impacto da circulação de carretas, como várias pessoas que hoje estão debaixo da terra estariam vivas e trabalhando", lamenta.

Medo

Carreteiro há sete anos no trecho, o baiano Nei Santos de Oliveira, 50 anos, relata que a rotina de medo atinge todos.

“A gente sai de casa e não sabe se vai voltar. O perigo aqui é a todo instante. Não só para os caminhoneiros, mas para carro pequeno, ciclista. 24 horas de perigo constante”, desabafa o caminhoneiro, que aponta o trecho de Pires como o mais perigoso.

“Ali era para ter uma saída de emergência. Muitos amigos meus já morreram ali, porque não tem uma saída e a (carreta) acaba tombando. Falta freio, colide com outro carro e mata pessoas. Já era para ter uma área de escape, como aquela do Anel Rodoviário. Em três semanas, foram quatro mortes, acho que em seis acidentes. E todos eu passei e vi. Todo dia é orando, colocando o joelho no chão e pedindo proteção a Deus”, completa.

Outro lado

Procurado pela Itatiaia, O Tribunal de Justiça de Minas (TJMG) informou que o processo envolvendo a estrada Pico Fábrica tinha sido arquivado, mas foi reativado e tramita na comarca de Itabirito. Já o MPMG informou que o processo terminou em acordo, com a empresa se comprometendo a cumprir uma série de medidas preventivas, recuperatórias e compensatórias.

A reportagem também solicitou informações sobre a estrada e um posicionamento à mineradora Vale. No entanto, a empresa não respondeu aos pedidos da reportagem. O espaço segue aberto à manifestação da Vale.

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