As polícias Militar e Civil mataram mais de um suspeito de roubo por dia no estado de São Paulo em 2018, informa estudo do Instituto Sou da Paz. De acordo com os dados, 409 pessoas acusadas de assalto foram mortas durante abordagem policial no ano passado.
Segundo o levantamento, foram analisados individualmente os casos de 785 vítimas das 863 mortas no estado em 2018. Pela Lei de Acesso à Informação, o Sou da Paz teve acesso a boletins de ocorrência que mostraram que apenas seis dessas pessoas eram mulheres.
Os suspeitos de assalto representam 52,1% dos casos analisados. O levantamento aponta ainda que 92 mortes (11,7% do total) foram de suspeitos de homicídio. A terceira posição da lista de delitos atribuídos aos acusados é ocupada por porte ou posse de arma de fogo, com 70 mortes (8,9% do total).
Em 64 casos analisados pelo Sou da Paz, o boletim de ocorrência não cita nenhum outro crime além de Morte Decorrente de Intervenção Policial (MDIP), classificação dada pela Secretaria de Estado da Segurança Pública para confrontos que terminam com morte. Ou seja, na prática, nesses casos, não se sabe qual crime o acusado cometeu ou tentou cometer antes da abordagem policial.
Jovens
O perfil da maioria dos suspeitos mortos pelas forças de segurança do estado é de jovens de 15 a 29 anos, o que representa 59% do total.
Essas pessoas foram mortas por tiros que saíram de armas usadas por policiais militares e civis. Em tese, os suspeitos foram baleados porque entraram em confronto com os agentes, que reagiram. Nesses casos, o policial tem a prerrogativa de que agiu em legítima defesa no estrito cumprimento da lei.
“É imperativo aprimorar e padronizar procedimentos voltados à prevenção e repressão de roubos o território”, diz Ivan Marques, diretor-executivo do Sou da Paz.
Governo de SP
Apesar de a letalidade policial chamar a atenção de órgãos como o Sou da Paz, ela parece não ser problema para o governo paulista.
Um exemplo disso foi a declaração do governador João Doria (PSDB), na quinta-feira (4), quando ele elogiou ação da PM contra quadrilha de roubo a banco em Guararema, interior paulista, que deixou 11 suspeitos mortos.
“Bandidos que usam escopetas, fuzis e metralhadoras não saem para passear. Eles saíram para assaltar e fazer vítimas. Estão de parabéns os policiais que agiram e colocaram no cemitério mais dez bandidos”, disse Doria em entrevista.
Ainda na quinta, Álvaro Camilo, secretário-executivo da PM, disse que a ação que deixou 11 mortos em Guararema mostra que não é uma boa opção enfrentar a polícia de São Paulo.
"Achamos que isso vai desestimular o crime, diminuir o confronto com a polícia, mas quando ele acontece, a polícia está bem preparada, se protege, age tecnicamente, e acaba levando a melhor nas ocorrências. Não é uma boa opção enfrentar a polícia de São Paulo", disse Camilo.
Sou da Paz
Para Stephanie Morin, gerente da área de Gestão do Conhecimento do Instituto Sou da Paz, declarações como essas são preocupantes.
“É um erro brutal celebrar uma ocorrência policial fatal em um cenário em que a letalidade policial em São Paulo continua muito alta. É claro que os policiais têm o direito de se protegerem e de protegerem a sociedade, mas essa prerrogativa é dada pela sociedade.”
A pesquisa do Sou da Paz também mostra as cidades com mais números de suspeitos de roubo mortos pela polícia em 2018.
Outro recorte feito pelo Instituto apresenta as delegacias da capital onde há mais casos de mortos pela polícia em abordagens.
Para efeito comparativo, a região do 56º Distrito Policial (DP), Vila Alpina, na Zona Leste, foi a que teve maior índice envolvendo suspeitos de roubo mortos por policiais.
Em contrapartida, o 3º DP, Santa Ifigênia, foi o que teve menos.
Ouvidoria da Polícia
Segundo a Ouvidoria da Polícia de São Paulo, levantamento feito pelo órgão mostra que 193 pessoas foram mortas em confrontos com a Polícia Militar em 2018 o estado.
Em 6 de outubro do no passado, a PM matou quatro suspeitos de roubo durante perseguição na Zona Oeste da capital.
Segundo a Ouvidoria, a morte dos jovens poderia ter sido evitada. Documento do órgão informa que havia indícios de não ter ocorrido confronto entre policiais militares e os suspeitos de roubo. Veja abaixo reportagem da época:
Em novembro do ano passado, a PM matou quatro suspeitos durante tentativa de roubo a banco em São Miguel Paulista, Zona Leste de São Paulo.
Outro lado
Procurada para se manifestar sobre o estudo, a Polícia Militar do Estado de São Paulo enviou a seguinte nota à reportagem:
“Trata-se de um estudo sério, por um Instituto respeitado. A Polícia Militar mantém parceria com o Instituto Sou da Paz para estudos desse tipo. No caso concreto, buscam-se formas para reduzir a letalidade policial.”
A SSP informou, em nota, que "defende a investigação rigorosa de todas as ocorrências e tem trabalhado para reduzir os casos de morte em decorrência de intervenção policial. Em 2018, foram detidas 207.957 pessoas em flagrante e por mandado. Em igual período, 655 morreram ao confrontar as polícias Civil e Militar durante o serviço, ou seja, 0,3% do total de prisões."
A pasta disse ainda, que "uma das medidas desenvolvidas pela SSP para reduzir esse tipo de ocorrência é a Resolução SSP 40/2015, que garante maior eficácia nas investigações de mortes em decorrência de intervenção policial, com o comparecimento das Corregedorias e dos Comandantes da região, além de equipe específica do IML e IC."
Ainda de acordo com o documento, a secretaria afirma que "essas ocorrências são investigadas por meio de IPM pelos batalhões e também pela Polícia Civil, além de serem acompanhadas pela Corregedoria da PM. Todas as autoridades designadas para o exercício da polícia judiciária militar possuem competência para tal atividade, de acordo com o artigo 7º do Código de Processo Penal Militar."