Os policiais militares presos nesta semana por suspeita de executarem dois homens dentro de um carro roubado na última quarta-feira (9), na Zona Sul de São Paulo, deram 14 tiros nas vítimas, de acordo com documento feito pela própria corporação.
As defesas dos agentes da Polícia Militar (PM) disseram que seus clientes atiraram em legítima defesa porque, segundo eles, os suspeitos estavam armados e ameaçaram disparar. Vídeo gravado por uma testemunha, e que circula nas redes sociais, mostra o momento que os agentes disparam sem que os suspeitos atirem (veja acima).
Esse número de tiros encontrados nos corpos dos rapazes, e que está no Inquérito Policial Militar (IPM), diverge do dado apresentado pelo Ministério Público (MP) para ter pedido à Justiça a prisão dos PMs.
O MP informou que os policiais deram aproximadamente 30 tiros. Causando 50 perfurações e ferimentos nos dois rapazes, que eram perseguidos porque teriam roubado um carro e os pertences dos donos.
Mas, segundo os exames perinecroscópicos do IPM, Felipe, que estava no banco do motorista, foi atingido por sete disparos dados pelos policiais. Vinicius, que ocupava o assento traseiro, levou os outros sete tiros feitos pelos agentes, que usavam pistolas .40. A reportagem teve acesso aos documentos, que informam que não foi possível analisar os locais de saída das balas para não mexer nos corpos das vítimas.
O exame perinecroscópico é aquele feito por peritos em corpos que estão nos locais de crimes. Ele difere da necropsia, que é realizada por médicos legistas analisando a parte exterior e interior do corpo. Em outras palavras, o perinescroscópico não substitui o laudo necroscópico.
Nesta terça-feira (15), a reportagem conversou com os advogados de dois dos três agentes detidos. Eles falaram que somente os laudos da Polícia Técnico-Científica confirmarão a quantidade exata de disparos que foram feitos pelos policiais e o número de lesões causadas nos suspeitos mortos.
Os exames, que são realizados pelo Instituto Médico Legal (IML) e Instituto de Criminalística (IC), ainda não ficaram prontos.
Homicídios e fraude processual
O sargento André Chaves da Silva, o soldado Danilton Silveira da Silva e o cabo Jorge Batista Silva Filho estão detidos no Presídio Militar Romão Gomes, na Zona Norte da capital, por suspeita de assassinato e de terem alterado a cena do crime.
Os três policiais são investigados na Justiça comum e na Justiça Militar, respectivamente, pelos crimes de homicídios e fraude processual cometidos contra Felipe Barbosa da Silva, de 23 anos, e Vinicius Alves Procópio, de 19.
Os dois suspeitos mortos não tinham passagens anteriores pela polícia e aparecem como "pardos" no boletim de ocorrência do caso. Segundo familiares, Felipe fazia entregas por aplicativo. Vinícius trabalhava como monitor de transporte escolar. A esposa de Felipe contou que o marido telefonou para ela dizendo que a PM iria matá-lo. Outros parentes disseram que tiveram informações de testemunhas de que os rapazes não reagiram e, mesmo assim, foram executados pelos agentes.
Segundo a versão apresentada pelos agentes, os dois suspeitos mortos haviam assaltado um casal e fugido no carro das vítimas, um Chevrolet Onix, pelas ruas da região de Santo Amaro. Na fuga, de acordo com os policiais, os rapazes passaram um sinal vermelho, bateram em um Honda Fit e depois em um poste, no cruzamento das Ruas Rubens Gomes Bueno com a Castro Verde. A motorista do automóvel acidentado teve ferimentos leves.
“Eles [os policiais] não deram 30 nem 50 tiros, esse número está exagerado. Precisamos aguardar o laudo necroscópico do IML para saber a quantidade exata de tiros que foram dados e de ferimentos causados. Uma análise inicial do Inquérito Policial Militar indica que foram dados 14 tiros nos rapazes, sendo sete tiros em cada um”, falou o advogado João Carlos Campanini, que defende o sargento André.
“Creio que os laudos [exames da PM] ainda são preliminares. Precisamos também avaliar os laudos do IC que serão acostados no processo que está tramitando na Justiça Comum. Por ora, segundo pude perceber, temos apenas informações desencontradas”, afirmou o advogado Fernando Capano, que defende o soldado Danilton.
A defesa do cabo Jorge não foi encontrada até a última atualização desta reportagem.
Legítima defesa e pedido de liberdade
De acordo com o registro policial do caso feito no Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, Felipe estava no banco do motorista, com um revólver calibre 38 com numeração raspada, e com 27 perfurações de balas no seu corpo.
Ainda segundo o BO, Vinicius estava no banco traseiro com um revólver calibre 32 adulterado, tentou atirar, mas o tiro falhou, e tinha 23 lesões por tiros. Além do DHPP, a Corregedoria da Polícia Militar também apura a conduta dos seus policiais no caso.
Os dois advogados alegam que os agentes só atiraram para se defender e que pedirão à Justiça a liberdade de seus clientes por entenderem que a prisão deles foi injusta.
“Eles agiram em legítima defesa porque quando você está numa situação de confronto, o bandido nem precisa atirar para você agir em legítima defesa. A situação é a seguinte: o bandido está com a arma em punho, apontando ou não para o policial, rapidamente ele pode atirar e matar o policial se o mesmo não agir rápido”, alegou o advogado Campanini.
“Policiais tomam decisões em micro segundos. Nós temos a chance de analisar tudo com calma. Serenidade, calma e racionalidade são as palavras do momento, portanto”, disse Capano. “Vamos trabalhar na interposição de habeas corpus atacando a prisão preventiva decretada. Não existem elementos processuais para que a prisão seja mantida. Nossa preocupação agora é fazer com que respondam o caso em liberdade.”